sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

MEDITAÇÕES XLVII


Ambíguo, o olhar do Homem.
Mas que outra visão esperar,
se dual é a forma onde se exprime?

Observando o mar da existência,
quando prevê o nascer de alta onda
só teme sucumbir à força do seu sal.
Saberá que se lhe tomasse a crista
tão perto ficaria das estrelas?

Cego de vagas, ignora a absoluta
permanência do oceano que as gera.
Como poderá a simplicidade
ser bebida por tão complexa pessoa?

Ao fecundar a ilusão que cria,
por mais promissor que pareça
o destino tecido em fantasia,
fica aquém do que em verdade é.

Assim, por sua mão se condena
ao exílio dos pássaros moribundos,
esses que de tanto temerem a queda
nunca ousaram dar cor às asas.
Como uma melodia sem coração
para de eco lhe servir, desaprenderam
a arte que sempre lhes fora inata.

Pela imensidão da terra vagueiam
decepados da sua realidade,
afogados no sonho que crêem,
chorando o céu donde se expulsaram.







quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

MEDITAÇÕES XLVI


Há uma canção que ecoa
desde o princípio do tempo.
(Tão raros os Homens
que a souberam escutar.)

A existência inteira
ao seu ritmo sem som dança,
como se uma espécie de vento
percorresse o coração
de cada ente dançante.

(Um olhar veramente vivo
verá como se entregam
em gestos de êxtase puro.)

Nenhuma parte é excluída,
pois que parte pode existir
num todo completo?

Certos do amor primordial,
árvores, pássaros, rios e flores
dançam a luz em si.

Porque não o Homem?







(Fonte: shantagabriel.com)



terça-feira, 8 de novembro de 2016

MEDITAÇÕES XLV


Conforme for o sonho sonhado,
assim o sonhador o viverá.

Que espera acontece até dançar
no cume duma flor aberta
aos silêncios do alvor?

Só existe o que é.
Para alguns dos que nutrem a busca,
o longo vale da ilusão será
caminho de pedras e espinhos.
Ignoram a sublime eminência
das montanhas ladeando a estrada.

Para à verdade dedicar
um sincero amor, de certos rumos
faz-se passagem obrigatória.
Mas quem o julga e porque julga?

Quando estiverem às portas
dessa solidão que como vazio
de águas extravasa margens,
saberão do sóbrio movimento
de regar os canteiros do mundo.

Na terra da verdade nunca o sol se põe.
Repouse o braço que deseja ter
aquilo que sem saber já possui.

Não busque o ente a verdade.
Dispa-se apenas da mentira
com que nesciamente se vestiu.










segunda-feira, 31 de outubro de 2016

MEDITAÇÕES XLIV


De quem amas não queiras nada.
Aquele que pede abdica do reino
que por direito inato é seu.

Sê assim uma espécie de flor
aberta à luz que por bem surgir,
tão certa de que desse sol
nunca dependerá o seu sorriso.

Ou antes um pássaro, se souberes
das asas que ao peito trazes,
cavalgando o vento na toada
duma canção sem começo ou fim.

Sublimes são as árvores, sem céu
a desbravar ou terra por descobrir,
e tão aptas a oferecer o melhor de si
numa doçura que não exige louvor.






(Fonte: Getty Images)


quinta-feira, 6 de outubro de 2016

MEDITAÇÕES XLIII


Viver a vívida solidão do mundo 
não é ser como uma taça,
seca e dura de tão vazia
que se encontra.

Viver a vívida solidão do mundo
é permitir somente que o fluxo
se não interrompa:
ora vazia e transbordante,
ora cheia e minguando.

O ser, contudo, deixará
de ser a taça que aparenta.
Diluída num mar infindo,
como poderá a gota dizer
de suas nítidas fronteiras?







segunda-feira, 26 de setembro de 2016

MEDITAÇÕES XLII


Não há rio que não tenha
um oceano onde morrer.
Mesmo diante da pedra
que lhe perturba o rumo,
a fluidez de ser permite torneá-la.

Se certas águas adormecem
no falso embalo das lagoas,
tal apenas se sucede pelo fluxo
da corrente se ter negado.

Poderão temer o seu diluir
naquela imensidão de águas
a que nunca deixaram de pertencer,
mas nenhuma lagoa será eterna.

Ainda que a semente necessite
dum derradeiro impulso para assim
dar lugar ao promissor rebento,
ainda que à borboleta se exija
um derradeiro esforço para romper
o seu torpe sono de lagarta,
a via tão subtil da existência
pauta-se por claros contornos:

não-resistência.








(Fonte: extremekindness.com)


quarta-feira, 14 de setembro de 2016

MEDITAÇÕES XLI


Quando a alegria florescer,
permite que os seus perfumes
aos céus em êxtase se ergam
– inebriando as alturas
com aromas de terra
em festejo puro.

Quando a tristeza aflorar,
aceita a desfolha que trouxer
– e as raízes mais fundo
penetrarão no húmido solo,
tocando abismos até então
impossíveis de sonhar.

Haja sol ou chuva,
seja noite ou dia,
o ser que vigia o âmago
sem escolha ou condenação
chegará sem movimento
ao lugar das manhãs eternas.






(Fonte: www.theuncommonjourney.com)


quinta-feira, 18 de agosto de 2016

MEDITAÇÕES - XL



O ruído ao silêncio furta o espaço.

Não por tamanha dádiva
evolar-se assim de pronto,
somente é impelida ao coração
duma floresta repleta de sonho.

Em noite de luar cristalino,
a sua canção torna-se audível.

O escutar do primeiro acorde
é razão bastante para o resgate
formar a quietude do primeiro gesto.

Assim como a prova
de águas de inigualável frescura
despertam no ser a busca
pela fonte da sua proveniência.







(Fonte: www.ryanphotographic.com)


segunda-feira, 25 de julho de 2016

MEDITAÇÕES XXXIX



Assim como as estrelas
bordadas no veludo celeste,
inúmeros são os abrigos
que propiciam uma vivência
de sombra – antes da sombra final
sobre o ser se debruçar.


Mas onde a sombra subsiste,
não longe estará a luz.

As janelas poderão ser abertas
dum só gesto, ainda que os frutos
requeiram tempo para madurar.
Mas antes do louvor podem as mãos
descerrar as densas cortinas.

Pois pobre é quem decide
na pobreza viver. E rico quem reconhece
os tesouros nunca perdidos.










domingo, 17 de julho de 2016

MEDITAÇÕES XXXVIII



Chega a borboleta,
e sobre a flor poisa;

chega a abelha,
e na flor mergulha;

chega o Homem,
e pela flor os dedos passa.

Todos chegam sedentos,
e todos partem embriagados
por uma fragrância
de indescritível aroma.

Assim é o Amor:
fonte até à qual
nenhum caminho está vedado.







quinta-feira, 23 de junho de 2016

MEDITAÇÕES XXXVII


Por cada sorriso nascido do vento,
uma semente-sorriso deposita-se
no pequeno canteiro dos corações
próximos daquele que sorri.

Mesmo que se revele infértil
o ventre que recebe tal dádiva,
ao menos soube do perfume
da semente de tantas promessas.

Uma gota de água pura não expurga
a mancha duma lagoa inquinada,
mas um princípio de pureza aparta
um pedaço de escuridão do manto
envergado por noite tamanha.

Não importa se a fonte nasce
dentro ou fora – com visão limpa
deixar-se-á de julgar dentro ou fora.
A lua tem do sol parte da diáfana luz,
e nesse seu ofício de ser espelho
revela ao caminhante a estrada
nas noites em que mais cheia está.







(Fonte: www.pinterest.com)



segunda-feira, 30 de maio de 2016

MEDITAÇÕES XXXVI


O rio da vida.

Serpenteando por montes
e vales, cobrindo planícies;
correndo como potro indomável,
vogando como pequeno barco
na calmaria das marés.

O rio da vida.

Afaga flores, pedras e frutos,
canta no topo das árvores,
abraça o vento sem o desviar
da incerteza de sua rota.

Todos os pássaros o conhecem,
pois nele todos saciam a sede.
Quem aí reconhecer a sua raiz,
entoará hinos de louvor e gratidão.

De nada se poderá dizer separado.
Em cada ondulação é algo de novo,
e todo o seu correr é uma canção.

Quem com propriedade poderá dizer
donde vem, para onde irá?

O rio da vida: do qual o Homem
é breve gota, cintilando na ilusão
do poiso de suas margens.














segunda-feira, 16 de maio de 2016

MEDITAÇÕES XXXV



A fresca flor que hoje viceja,
será amanhã eco de poeira
solta sobre estrada vazia.

A nuvem que pela manhã chora,
será rio na noite buscando
um largo oceano onde morrer.

A ave na primavera cantando
no alto da verdejante árvore,
será no outono a doce trova
doutra terra de poemas e canções.

O fruto que à luz dourada
apura os seus encantos de mel,
será numa sombra efémera
o alimento do corpo faminto.

Como poderá o Homem dançar
por dias de impermanência?

Na abundância, sê generoso;
na escassez, sê grato.








(Fonte: omegamassage.ca)







quinta-feira, 28 de abril de 2016

MEDITAÇÕES XXXIV



Descobre o pássaro
que há em ti.

Depois, encontra um ramo
onde poisar e com o vento
partilhar a tua trova.

Todo o pássaro sabe ser
uma espécie de flor alada:
no auge da estação,
oferece às aragens, aos frutos,
às pedras, aos rostos,
o aroma da sua rima mais pura.

Simplesmente canta:
canta, canta, canta.
E a existência toda, por tua batuta,
dará os passos que seguem
o ritmo duma dança eterna.

Quando o amor vier para ti,
será então como outro pássaro
que a teu lado escolheu poisar,
desejoso por juntar cada nota
do seu canto ao teu.



PBC.






(Fonte: www.pinterest.com)




segunda-feira, 11 de abril de 2016

MEDITAÇÕES XXXIII



Observa as manhãs de orvalho,
quando um sem fim de gotas
reluz sobre pétalas e folhas
recém-despertas.

Uma multidão aquosa,
onde nenhuma gota reflecte
um reflexo puramente igual:

por cada perspectiva,
uma cor do mundo emerge;
por cada voz alteando-se,
uma história de cristal se relata.

E são tantas sorrindo ao sol-criança,
tantas no perfeito abraço
ao ser-só que as faz ser o que são,
tantas sem pensamento de rio
ou desejo de vento brusco.

Observa as manhãs de orvalho.
Verás subitamente o brilho maior
que em nenhuma se nega:
a viva marca do oceano
que em segredo nelas vive.







(Fonte: www.goodwp.com)


quinta-feira, 17 de março de 2016

MEDITAÇÕES XXXI



Atenta na palavra
a que desejas dar vida.
Atenta na razão,
na necessidade de tal palavra,
e indaga se ainda a desejas
inflamar de vida.

Pois o silêncio revela melodias
que o ruído da palavra tinge,
como púrpura mancha
corrompendo a brancura
da virgem cambraia.

Silêncio sem vigilância
é uma espécie de enterro
onde o espírito míngua,
vergado a um fundo peso
que se não esvazia.

Quando o outro rosto
do silêncio assomar ao ser,
saberás do êxtase da quietude

– e da tão bela canção
que a borboleta à flor segreda,
como que pedindo permissão
para em suas pétalas poisar.



PBC.







(Fonte: imgmob.net)


sexta-feira, 4 de março de 2016

MEDITAÇÕES XXX



É doce a ilusão
que conduz o pensamento:
o amador escolhe o amado.

Haverá semente que escolha
a terra onde cumprir
o seu desígnio de flor ou fruto?

Que a visão se apure:
no amor o ser não escolhe,
no amor o ser é escolhido.

É essa a sua bênção maior.




PBC.






(Fonte: www.pinterest.com)



sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

MEDITAÇÕES XXIX



O espinho existe,
não porque o caminho apenas
de espinhos se compõe
– mas para ilusões de flor
enfim se esfumarem.

No esquecimento em que vive
aquele que caminha,
o reflexo do espelho
confunde-se com a imagem real.

Talvez, de espinho em espinho,
a mão que se fere compreenda
a razão do ferimento.

Cumprido o propósito,
o espinho desaparecerá;
e toda a ilusão será tida
pela verdadeira natureza.

Conhecendo a real face,
como o ser poderá
projectar novos reflexos?

A rosa autêntica despontará.




PBC.







(fonte: gaudiumpress.org)


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

MEDITAÇÕES XXVIII



Assemelha-se a algo vivo,
tal o seu forte pulsar.

Um acumulado de memórias,
acervo de experiência procurada:
um sopro de ilusão e assim
vida se conferiu à identidade
real aos olhos de quem dorme.

No âmago na nuvem,
uma escadaria descendente
anuncia-se – trilhá-la
é o desafio supremo e final.

Até esse instante lúcido,
quantas querelas não fomentará
a sombra que anseia ser luz?
Quantas contendas instigará
esse algo que só anseia ser
aquilo que em verdade não é?

O esquecimento prolonga-lhe a vida.
Todos os frutos do logro
lhe servem de proveitoso alimento.

Porém, cada passo pelo Homem dado
o guiará de volta à soleira
da casa donde partiu um dia.





PBC.








(Fonte: ncmh.info)

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

MEDITAÇÕES XXVII



Tornou-se o Homem pedinte
por força dos anseios cultivados.


O anseio é íntimo à humanidade,
mas o seu cultivo deriva
duma ignorância maior.

Sem restrição ou incentivo,
quem aceita compreende
– primeiro passo de libertação.


Mas quem se prostra pedindo
mais pão para os seus desejos,
só adensa a malha da ilusão.

Encarando a existência
e tomando-a do avesso,
na fantasia que alimenta
afasta o brilho primordial.

Pois como pode aquele que pede
conhecer a autêntica gratidão?

Quem pede vive em pobreza,
por mais esmola que peça.

Porém, o olhar atento descortinará:
naquele que mendiga
ocultam-se gestos de imperador.



PBC. 






(Fonte: selfunification.com)