domingo, 31 de outubro de 2010

"Mentes agitadas"

Nestes tempos conturbados a que todos assistimos, imersos cada vez mais na ramificação dos mais diversos problemas sociais e económicos, existe uma necessidade crescente, uma ânsia tão desesperadamente calada e pronta a entrar em erupção e a elevar algo que todos aguardamos silenciosamente. Mas, o que será esse “algo”? Conscientemente, não o sabemos. Contudo, nas profundezas incógnitas do inconsciente humano pulsa a ideia imbatível, a vontade ou, talvez, a certeza de que “algo” irá mudar e de que toda a etapa vivida é transitória. Será isso, então, um optimismo secreto? Para muitos, sim. No entanto, os mais clarividentes dar-lhe-ão o nome de sabedoria interior, a fiel intuição que vive dentro de cada ser humano e que comunga com aquilo que se designa de “inconsciente colectivo” ou, num sentido mais amplo, de “alma do Mundo”.

Todos nós, independentemente da sua origem, somos habitantes deste planeta, filhos da Natureza e da Energia que nele habita; logo, nunca seremos indiferentes a certos tipos de mudanças que nele, eventualmente, ocorrerão, quer sejam fruto das acções praticadas por outros Homens, quer sejam consequências de algo superior. A verdade é que, apesar de ignorarmos sempre esse facto e de vivermos cada vez mais afastados nas nossas reais origens, continuamos sensíveis à ocorrência de todos esses aspectos pois, em essência, somos os raios de um mesmo sol, as pequenas partes de um todo comum. Estando assim conectados, a um nível superior, é perfeitamente normal que aguardemos por tempos melhores, visto que isso é algo que nos tem sido prometido, no secretismo dos sonhos, pelos representantes da “Força que tudo cria”.

Já muito foi trilhado pela Humanidade, até ela, em conjunto, decidir que era altura de modificar o seu padrão vibracional e evoluir. É claro que existem sempre forças contrárias neste processo, daí a importância de levar a mensagem a mais indivíduos, para que o tal despertar possa ser concretizado. E é curioso assistir ao nascimento de um novo tipo de sociedade, mais evoluída, justa e serena, a partir dos pilares decadentes daquela que ainda vigora. Talvez o leitor nunca tenha notado este aspecto, uma vez que só agora é que tais princípios estão a ser lançados, mas acredite que a semente da Nova Era está lançada e começa agora a germinar, ainda que muitos sejam aqueles que possuem uma visão toldada (nem sempre por culpa própria, entenda-se).

É chegada a hora das decisões. E, a cada segundo que passa, estamos a ser colocados à prova, desde o mais elaborado ao mais insignificante (aparentemente) dos actos. Afinal, é pelas nossas acções que nos definimos e caracterizamos. Agora, mais que nunca, o trigo irá ser separado do joio, pelo que uma tomada de posição é deveras crucial. Pretende continuar nas águas turvas de uma sociedade moribunda? Ou pretende erguer o braço em serena revolta e decidir que é hora de mudar, de contribuir para o avança de uma nova sociedade onde, aos poucos, toda a estrutura antiga e insignificante irá perder o seu lugar? Será, certamente, uma bela ideia aquela que concebe uma comunidade com sentido de evolução, com toda a tecnologia ao serviço de um Bem Maior, onde cada um dos membros ocupa o lugar que pretende e para o qual possui gosto e naturais aptidões, onde as rotinas deixam de existir, onde, a cada dia, um novo rumo vai sendo definido… Olhe para si mesmo e escute as palavras da sua sabedoria. Acha a tarefa difícil? E quem disse que seria fácil? Mas considera-a exequível? Então, acredite! E como começar? Por aquilo que nos foi dado como dom, ainda que nem sempre o saibamos usar – a nossa consciência.

Pense, conjecture e, acima de tudo, questione. O processo poderá ser longo, mas garanto-lhe que obterá as suas respostas. Ao iniciar esse caminho, nem imagina todo um conjunto de novas portas que se lhe irão abrir. Questione, duvide, ponha em causa e acredite e aceite somente aquilo que, para si, for real, pois possui o discernimento para tal. Nada disto se relaciona com religiões, credos ou dogmas, é apenas uma forma de nos tornarmos peregrinos pela causa da transformação. E quando o processo se inicia, em nós, há todo um conjunto de forças que actuam para nos guiar até ao porto pretendido. Afinal, trata-se de um refúgio pessoal, onde nos auto-curamos e questionamos cada premissa de cada ideia e acto em total convergência com a fluidez da Alma. E aqui surge a velha Lei da Dualidade: quando a Matéria se revela inoperante e decadente, a Substância eleva-se como solução. Será isso o “algo” que tanto buscamos? Qual é o parecer do leitor? O que é que a sua sabedoria tem a dizer sobre isso?

Em todo o caso, que possamos ser sempre, a cada dia, em cada momento, mentes saudavelmente agitadas, inquirindo e agitando ainda mais estes passageiros tempos de agitação, até que as Trevas da ignorância se transformem – finalmente – na Luz da sapiência.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quarto minguante

A lua está em quarto minguante
E eu caminho pelos corredores
Da minha prisão.

Nela, existe uma cela única
Onde todos nós vivemos,
Não obstante do vazio
Que separa os espaços.

A lua está em quarto minguante
E eu sou oprimido pelas paredes
Desta prisão de aço e betão;

Uma prisão de muralhas bem altas,
Onde os seus corredores
Atravessam vidas desencontradas.

E, durante esse tempo morto,
Quando as grades se tornam visíveis,
Abafam-se os pensamentos
E as vozes confundem-se
Com os seus próprios ecos;

Os reclusos caminham sem destino,
Como que guiados por comandos invisíveis,
E tudo se cumpre ao abrigo
De uma lei implacável e silenciosa.

E é aí que eu pego em minhas forças
E me ergo em minha cela,
Batendo incessantemente
No metal de suas grades,
Para que o denso nevoeiro
Do passado se disperse
E se desperte em nós
A vontade e a consciência:
Os pilares de um novo futuro.

(2010).


terça-feira, 26 de outubro de 2010

São 17h e os sinos tocam (*)

São 17 horas
E os sinos tocam alto
Na torre da velha igreja.

Tocam e ecoam o seu toque
Por metros e metros
De prédios desalinhados
E jardins empobrecidos,
Competindo com a sinfonia
Dos carros desordenados que,
Desenfreados,
Passam na estrada.

Os mais idosos recolhem já
Ao seu confortável refúgio
E alguns reúnem-se
No café de sempre,
Onde outros tantos,
Alienados,
Existem por entre
Ninhos de cigarros
E incontáveis copos de vinho.

Pais e mães terminam
Mais um extenuante
Dia de labor,
E as crianças, tão precocemente
Carregando o seu futuro às costas,
Trilham as rotas da rotina.

E nada mais há a dizer
Sobre este mundo
Que se desenrola
À minha frente.

São 17 horas.
Bate-me à porta
Uma saudade antiga,
Incapaz de amenizar
O que sinto;

São 17 horas e percorro
Os caminhos da estagnação,
Observando o que lá respira e
Estranhas formas de vida
Que por lá se demoram.

São 17 horas
E mais um dia se cumpriu,
Mais um dia se desperdiçou.
Sem sentido, focado
Num objectivo falso
Estabelecido e atribuído
Por essas mãos controladoras
E manipuladoras
De vidas e de sonhos.

Pois, enquanto nos mantiverem
No limiar da cega ignorância,
Fechados num curral sem saída,
Conseguem fazer-nos esquecer,
Conseguem impedir-nos de crescer.

(30/03/2009).

 

(*)- Previamente publicado no "Jornal do CHACA", Edição de Maio de 2009.


 

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mundaneidades

Repisado começo em manhã fria,
Despertar alvoraçado
Nos lençóis do repouso,
Acção tão descabida,
Plano planeado
Mas nunca executado,
Avidez e disputa
Por um controlo tão fugidio
Quanto ao tempo
Pelas horas assinalado.

Discórdia absurda
(Mas haveria dúvida?),
Frases de injúrias recheadas,
Incongruências em conjugações
Que só ferem por injustiça.

Reatar? Perdoar?
Há sempre um novo momento
Nas vidas descontroladas
Como comboios sem freios
Trilhando frágeis carris,
Pois cada gesto anterior
É sempre tardio e inútil
Em significado recebido.

O gelo do dia não refreia
Tamanha turbulência
E, à medida que se vai gastando,
Novas são as palavras que esbarram
Nas muralhas da incompreensão,
Como comunicação frustrada
De sucesso desprovida à nascença.

O relógio, eterno inimigo,
Aclama, por fim, o regresso
E todo o percurso é repetido
E evitado nos meandros da solução.
Afinal, é mais confortável julgar
De que tudo já está perdido
E que nenhum desses efeitos
Vale a sua conquista;

Nem carinho, nem amizade,
Nem compaixão, nem amor.

Fervilham, então,
Sob as luzes toscas,
Ecos de diálogos rotos
E tão futilmente construídos,
(Soando a interferências
Em aparelho audiovisual)
Ditos por marionetas com vida
Que se dirigem a lado nenhum.

Canções vagamente sentidas,
Oferendas empeçonhadas,
Dócil quietude falseada,
Cinismo tão recorrente
Que até se torna banal,
Expressões de intolerância
Cravadas nos muros
Da revolta irada.

Onde mora, então, a harmonia?

Somente – e eis a ironia –
Dentro de cada ser
Que concede o comando
De sua existência manipulada,
Apertada pelos braços
De um senso intolerante.

Mas isto, claro está,
Se ainda subsistir espaço,
No centro da vanidade,
Para a frágil centelha
Da autêntica serenidade.

(17/02/2010)


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Hoje e só hoje

Por hoje e só hoje,
Não irei correr atrás
Do rasto deixado pelo Mundo;

Por hoje e só hoje,
Irei deixar que os fugitivos
(que escapam de medo nenhum)
Me ultrapassem na estrada
Pela rotina alcatroada;

Por hoje e só hoje,
Irei largar a vontade inútil
De igualar o meu semelhante
Tão alienado e perdido;

Por hoje e só hoje,
Deixarei para mais tarde
Todas as obrigações impostas
Pelo cárcere imperial e soberano;

Por hoje e só hoje,
Irei deixar que todo o hoje
Seja irmão deste mesmo hoje,
O hoje em que me mascarei
E despercebido passei
Pelos frios sentinelas
Da mundana Matriz.

(Pedro Belo Clara – 17/07/2010).



Carrossel


O alvorecer saúda-te, firme e feliz
Por ver o seu novo filho a caminhar
Pelo lugar onde fincará a sua raiz,
Ainda que não saibas onde a fincar;
Mas inicia-se, para o teu jovem ser,
A jornada que será a tua existência,
Onde irás, de novo, ganhar, perder,
Sorrir, chorar – tão simples ciência.

E todos esses teus dias primeiros
São dias de folia e néscia vontade,
Tal é a luz que banha os fronteiros
Do saber que deténs como verdade;
Neles, exploras o teu desconhecido

De semblante rasgado pelo sorriso
Que te acompanha, tão destemido
Nesse passeio tranquilo pelo paraíso.

Gozas dessa feira e de suas virtudes,
Correndo pelas bancas das oferendas,
Degustando os sabores e plenitudes
Das singulares e ofertadas merendas;
E continuas, feliz, divertindo-te assim
Pelas esquinas de tal sublime evento,
Maravilhado pelos tons de carmesim
Das bandeiras desfraldadas ao vento.

Passa o tempo sem que o denotes,
Mas ainda te espera a atracção final –
Em diluídos cheiros e vagos recortes,
A máxima prova da infância magistral
Faz chegar até ti a sua doce tentação,
Enlaçando-te num abraço de mãe.
Porque te deténs? Solta-te coração 
E segue a inocência que te fez refém!

Apressas-te, alegre, para o encontrar
Até que, qual nobre e distinto corcel,
Envolto em feirantes tons de encantar,
Surge o mágico e desejado carrossel!
Tomas teu lugar – vazio, em profecia,
Como se para ti se estivesse a reservar –
E aguardas, em impaciente alegria,
O sino tocar. Tlim! É hora de começar!


Começa a girar e cantas, contente,
Ao ritmo das melodias giratórias
E ignoras o hipnotismo indolente
Que assassina as antigas memórias.
E gira, gira e torna outra vez a girar,
Numa hipnose acentuada em tons
(Só fragmentos consegues escutar,
Como se o mundo abafasse seus sons).

Lentamente, esqueces o teu sorriso;
Não sabes mais como entoar a canção
Mais bela que entoavas pelo paraíso,
Na estrada da colorida imaginação,
Pois a cor é já uma longínqua ideia,
A ideia de que tudo fora pintado
E decorado por sinfonias de sereia –
Cinzento é o todo agora observado.

Atordoado e de essência debilitada,
Vais soltando cada magia aprendida
Numa época agora já tão deturpada,
Pulsando de dor por bela alma ferida;
E tudo parece estar deveras distante,
Tudo corre num ritmo desenfreado
Como se todo o brevíssimo instante
Se encadeasse ignóbil e desordenado.

E gira, gira e torna outra vez a girar.
Tu, em súbito impulso, já derradeiro,
Despertas a hipótese de poder saltar
De tal oleado mecanismo matreiro,
Mas, em momento doloroso e final,
Tua força, manipulada, trai o instinto
E preso continuas ao minguado sinal:
“É tudo ilusão aquilo que agora sinto”.

Encerra, talvez, essa chama franzina
Em cápsula imune ao global desvario,
E gasta-a em obra de impressão fina,
Algo mais que um mero sorriso vazio.
Do carrossel é ainda mais árduo fugir,
Girando, girando e tornando a girar,
E antes que tal cancro consigas banir,
Tombas – tua vida acabou de cessar.




(06/2010)