quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A teia de aranha

Por vezes, demorando a nossa presença pelos trâmites do caminho que decidimos desbravar e conquistar, basta focar a nossa atenção em algo que, naquele momento, se desenrola bem perto de nós, para que nos seja concedida a graça de um sinal. Procuramos sempre satisfazer as nossas perguntas mas, por vezes, elas são respondidas pelas desenvolturas que eclodem à margem de nós mesmos – simples acontecimentos e curiosidades que consideramos banais. É um facto que as respostas tão ambicionadas têm sempre o som de nossas próprias palavras, mas o Caminho, nas suas particularidades, oferta-nos lições, valiosas aprendizagens prestes a serem apreendidas por quem nelas atentar.

Sempre que indago sobre tais circunstâncias, evoco a seguinte situação: tempos atrás, uma pequena aranha alojou-se por detrás de um dos vidros retrovisores de meu carro, sem que eu de nada soubesse. Aliás, a sua presença só foi denunciada por uma longa teia tecida no ângulo entre o referido vidro retrovisor e o vidro lateral, no lado do condutor. É claro que, embora respeitasse tão magnífica obra, vi-me obrigado a destruí-la – a pequena aranha, essa, lá continuou no seu refúgio habitual. No entanto, no dia seguinte, estando pronto a usufruir dos préstimos do meu veículo, deparo-me com a afamada teia, erguida no mesmo local. Decidido a manter a aparência de meu carro deveras aceitável, voltei a pegar no mesmo pano de flanela e a destruir a singela fonte de sustento daquela aranha. Mesmo assim, nos restantes dias, e continuando eu a desfazer os filamentos de tal teia, ela continuava sempre a surgir, sólida, sublime e altiva. De facto, passei a respeitar o carácter daquele nobre bichinho pois, por mais que sua obra se desmoronasse à mercê de uma mão destruidora, logo se aprontava a reerguer o seu empreendimento, tão convicta que estava de seus decididos intentos.

Hoje, já a aranha terá procurado um outro local mais calmo e profícuo à recolha de alimentos, mas o seu exemplo é deveras notável. Muitos certamente se acomodariam ao ver a sua obra desfeita, mas outros encontrariam precisamente nesse acontecimento a força para se reerguerem. E, durante aquele tempo, essa foi a escolha daquela aranha. Que podemos nós, então, aprender com esta simples ocorrência do Caminho e suas circunstâncias? O firme acto e a sólida convicção de quem vive sob um constante testar de suas ideias, projectos e crenças. A construção poderá revelar-se frágil, mas forte deverá ser o carácter que a sustenta. Afinal, por mais escondida que esteja, em todos nos reside uma pequena aranha como aquela.


Pedro Belo Clara.



quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Etapas e Desafios

A espera, o período de passividade, é um ardil complexo de entender e de assumir, nem que seja pela sensação de que algo nos escapa e de que estamos imersos numa tortuosa escuridão. Isto serão as sensações de alguém duvidoso, aquele que ainda procura assumir os novos entendimentos que lhe foram concedidos pelas experiências do Caminho, não daquele que se mostra já sabedor e, como tal, confiante e sereno perante o porvir. Não há qualquer distinção entre ambos, senão a diferença entre aquilo que já foi ultrapassado e aprendido durante a peculiar vivência. De facto, quem dobra uma esquina observa com mais clareza e amplitude a rua que a partir daí se desenvolve do que aquele que ainda não alcançou tal local. Este aspecto jamais deverá dar a sensação de que um alguém está a ser colocado na dianteira do percurso, especialmente por motivos ditos (ou entendidos) dúbios; o respeito e a tolerância entre os demais são a base de todo o tratamento – uns adiantam-se e outros atrasam-se no caminho, pois todos possuem o seu tempo; ninguém é melhor que seu semelhante, apenas… diferente e único. E é um direito ser-se respeitado e tolerado por isso.

Ainda assim, os tempos de espera, ramificações de um “tempo de trevas” (embora relembre que “da obscuridade nasce a luz”) são comuns a todos nós. A única alteração que se opera é ao nível da percepção, do entendimento e, posteriormente, da acção (ou da forma de actuação). Afinal, nem todos nós sabemos o que fazer com a água da chuva: há quem se recolha, quem se deixe levar por sua diluviana corrente, quem se afogue, quem pega em sua vasilha e a encha com tal bênção, ciente de que essa será a solução para os dias em que o sol queimar (pois, ainda que chova, sabe que um sol tórrido acabará por despontar). Assim, se colocássemos dois caminhantes em diferentes estágios de aprendizagem (ou em moldagem de carácter, se preferirem) num qualquer troço da estrada existencial, no seio de uma noite sem lua, desprovidos de qualquer fonte de luz, como ambos reagiriam? Se um deles teria de esboçar uma enorme passada na sua aprendizagem, o outro deveria apenas aplicar todas as artes que lhe haviam sido transmitidas, aquelas que suas cicatrizes não o deixariam olvidar. Provavelmente, o primeiro iria questionar todas as bases do seu pensamento e da sua crença, inquietando-se, imergindo numa treva obscura e aterrorizante; o segundo saberia, no mais profundo de si, que em breve o sol nasceria e que toda aquela escuridão se cessaria. Assim agiria quem encontra, entende e confia em sua luz interior. Mas todos caminhamos rumo ao mesmo destino (ainda que tal intenção pareça ser inconsciente), pelo que, no devido momento, chegará a recompensa pelo esforço empreendido na tentativa de aplicação e na assimilação dos meios.

Todo o desafio que nos assalta de rompante acontece numa altura propícia, seja para nos testar ou para nos fornecer a preparação necessária para as etapas vindouras. Cada etapa é essencial ao nosso desenvolvimento e fortalecimento; ainda que nos sintamos incapazes, cada desafio ocorre somente no momento em que nós possuímos a arte de o ultrapassar! Somos guiados por uma Força estranha e bela, o Sopro do Caminho – ou uma outra qualquer nomenclatura que lhe queiram atribuir –, uma Força que, mesmo desacreditada, reside também em nós, criando as hipóteses de cada ocorrência para que a Consciência possa ditar as suas direcções. Sejam elas quais forem, todo o dia será propício a uma auto-análise, olharmo-nos bem e nos entendermos ainda melhor; se nos mantivermos abertos, serenos entre as mudanças, toda a diversidade florescerá diante do nosso Ser. Hoje somos mais sabedores do que Ontem fomos, mas não tanto como Amanhã ainda seremos – se nos predispusermos a tal, o eco destas palavras acabará por se concretizar.


Pedro Belo Clara.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Entre Tempos

É uma acção associada às reacções de quem trilha o Caminho, essa de nos abrigarmos em tempos de reclusão... No fundo, até ansiamos pela actuação, pelo empreendimento, mas compreendemos os seus destrutivos efeitos no momento e logo abandonamos tal pensamento. Restará, assim, adoptar uma passividade nem sempre apaziguadora ou tranquilizante, como ideal comportamento a apresentar. No entanto, relembro a importância de se saber usar esse comportamento pois, como em tudo, o ideal será sempre atingir um ponto de equilíbrio. Se formos passivos em tempos de nítida acção, em nada iremos contribuir para o incremento da nossa realização. Assim, se tivermos em conta os impulsos que ecoam no interior de cada um de nós, escutaremos a nossa íntima sabedoria e certamente que tomaremos a decisão mais adequada ao momento que estamos a vivênciar.

No fundo, como é fácil de confirmar, não apresento – até agora – nada de novo; todos estes pontos foram já abordados e explicados em entradas anteriores. Por isso, se estiveram sempre atentos, saberão perfeitamente a que me refiro. Além disso, saberão também que tais tempos de passividade surgem, geralmente, após tempos de cultivo (retomando um termo anteriormente utilizado) – por isso, quando implementados, os deveremos deixar crescer e fortificar. Podemos regar a nossa querida plantação, mas existirão dias em que, súbita, a chuva cairá por si mesma. Rega ou zelo em demasia conduzem ao mesmo caminho: a ruína da nossa plantação. Mas o que poderá ser feito enquanto se aguarda o natural desenvolvimento das sementes plantadas? Foi precisamente a partir dessa pergunta que nasceu o presente texto. Abordámos já os dois tipos de comportamento possível, impressos em sua dualidade, mas torna-se importante referir o espaço que sempre subsiste entre esses dois tempos: o de acção e o de passividade.

É claro que as opções são sempre múltiplas. No entanto, em jeito de condensação de conteúdos, volto a evocar a metáfora (ou até alegoria, se preferirem) da plantação: o que poderá ser feito entre o tempo do cultivo e o tempo da espera pela colheita? Se nos deparássemos com tal cenário, certamente que continuaríamos a cuidar de nossas sementes, regando-as de quando em vez, ajudando-as a crescer e a tornarem-se fortes, arrancando as ervas daninhas e as demais ameaças, até constatarmos a formação do mais belo dos frutos. Pois bem, todas as hipóteses antes referidas serão possíveis neste caso. O facto de preenchermos o nosso espaço “entre tempos” com a reafirmação de todas as nossas intenções, com a fortificação de nossa fé ou confiança (em nossas capacidades, nas de terceiros ou em uma Força suprema e transcendental), contribui para o sereno cumprir das etapas vindouras. Podemos ponderar e definir novas estratégias, confiando sempre no valor e no sucesso das mesmas. Tudo isso será como que uma prece que zelará pela nossa plantação, o incremento dos necessários cuidados ao seu crescimento. Em suma, estaremos a preparar-nos em carácter para os dias que estão ainda por nascer. Tais actos poderão parecer vagos, pois seus efeitos manifestam-se de uma forma interna e demorada. Mas, uma vez cristalizados, tornam-se os pilares de nossa Alma.

Além de tudo isso, e como todo o Homem, apesar de valoroso em termos individuais, vive em comunhão com seus semelhantes, é igualmente importante escutar e fazer quebrar nossas dúvidas junto daqueles que não as possuem. Nós detemos as respostas às nossas perguntas, nós decidimos o nosso próprio rumo; mas, por vezes, quando a neblina se torna densa demais, podemos aliviar o peso de nossas dúvidas nos conselhos que outros companheiros de viagem terão para nos dar. É, na realidade, uma aprendizagem conjunta entre viajantes que se vêem cruzados no mesmo rumo, embora (e volto-o a repetir, pois é importante sublinhar-mos este aspecto) em nossas decisões residam as direcções que num futuro tomaremos. Quem caminha sabe que as respostas do Caminho podem muito bem se manifestar através das palavras de um(a) outro(a) companheiro(a), alguém que como todos nós também sorri, chora, ama, sofre e indaga. Estranhamente, ao constatarmos tal ocorrência, sentimo-nos menos sós.


Pedro Belo Clara.