sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O edifício rosáceo da Mouzinho da Silveira

Numa húmida tarde de Outono, por entre soltos pensamentos e tombadas folhas, capturou-me a atenção a peculiar fachada de um rosáceo edifício que embelezava uma declinada via. Retomando de súbito à frieza da realidade e à taciturnidade das ruas empedradas, assomou-me o seu carácter forte e robusto, quase imperial, um verdadeiro símbolo (ainda que singelo) de um outrora orgulhoso – uma bandeira lembrando um invicto estandarte, os seus pormenores majestosos, as suas curvas elegantes e invulgares.

Muitos o observavam, ainda que de relance; outros, demorando-se em ideias e planos sem saída, tomavam-no por mais um elemento daquele cinzento retrato citadino. E logo a ele, que até brilhava com a cor com que se pintam magníficos ocasos! Mas meus olhos continuavam presos aos varandins, às janelas e seus recortes, à típica cobertura da época em que nasceu. Num ápice, nova e desconcertante ideia se apoderou de meus julgamentos e ponderações: esta é sua fachada, rosto sublime com que encara o mundo, mas… e o seu interior? Como é fortificada cada uma de suas estruturas? Como acolhe cada vida que abriga? Serão igualmente fortes e robustas, sadias até? Ou baterá nele – metaforicamente – um coração de orgulhosa e abandonada mulher, firme em figura mas frágil em recatados instantes de ternura? Se cede ao mais breve sinal de instabilidade, de que terá valido a beleza estonteante de sua fachada? Provavelmente, o seu género de presença faz justiça a esse mesmo nome (fachada, entenda-se). Então, consumido pelos efeitos do abalo, quem admirará seus despedaçados destroços? Perante a crueza da verdade, quebra-se a mais intrínseca e emaranhada das falsidades.

Notem, meus caros, que estes dias partilham dessa hipotética condição: um desejo inapagável pela conquista do que se vê e não daquilo que apenas se poderá sentir, uma repetição constante de consumo desenfreado e de autêntico cuspir quando a utilidade expira. Qual o lugar, no seio desta ignorância, que acolherá o brilho que vive além daquilo que se vê? Eis o porquê do vazio que nos assombra, dessa fome insaciável e incógnita – alienados do verdadeiro motivo e da verdadeira razão, manipulados pelos ardis de pérfidas distracções, esquecemo-nos do inigualável sabor que se sente quando se ama a essência, não a vulgaridade ou a ilusória beleza (ignóbeis iscos!) de um fútil invólucro. 


(03/12/2010)

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Encontros de Sabedoria

Acredito verdadeiramente num sentido para os dias. Em cada instante, ao consumir de cada momento, ao dobrar cada esquina por entre as azáfamas e os corrupios citadinos, existe algo (um elemento, uma situação) que nos obriga a parar para pensarmos um pouco. Esse algo, cujo significado sempre é de revelação tardia, apresenta-se como uma prova derradeira (não um obstáculo), um “tira-teimas” de nossas acções, um sinal de que a nossa sabedoria e nossas convicções irão ser testadas. E, nestas situações, quantos não tropeçam em suas próprias palavras? Quantos aclamam feitos e certezas que se despedaçam quando confrontadas com a árdua actuação?

É comum, infelizmente, vivermos hoje despidos de quaisquer valores, especialmente daqueles que deveriam estar fortemente enraizados em nosso carácter. Os peculiares encontros com certos pedintes e com suas ardilosas “técnicas de pedinchice” é um óptimo exemplo disso mesmo. Como te sentes quando um deles te entrecruza o caminho? Como decides proceder? E depois? Como lidas com as dúvidas incessantes sobre a sinceridade do pedido? Claro que existe sempre a opção de ignorar os rogos persistentes – cada acto é somente uma escolha assumida e isenta de qualquer julgamento (excluindo o de seu autor) – mas… e se anuíres às suas exigências? O que pensarás depois? Que foste como um pequeno peixe capturado por uma rede de falsas tramas ou preferes acreditar que salvaste alguém de mais um negro dia de privação? Reflecte.

Ainda que o tipo de situações atrás referidas sejam sempre um duro teste, há algo que poderei afirmar: se viveres sempre pela tua verdade, mesmo que ela se possa vir a revelar errónea (o que, de facto, será uma ilusão, pois o sentimento sentido deverá na circunstância ser sincero), e certamente assegurarás uma integridade sincera e difícil de quebrar. O mendigo que esmola pedia mentiu-te? Algum indigente te manipulou em seu favor? O necessitado perfidamente te levou a acreditar na sua mais extrema necessidade? Bem, na verdade, quem será o tolo? Talvez todos ajam de acordo com a sua vontade, aquela que lhes trará o que mais pretendem (proveito próprio, claro), mas quem ficará realmente a perder? Tu que, enganado, foste sincero? Ou aquele que, conscientemente, te mentiu?

Liberta-te da culpa, da frieza absurda e de tudo o mais que se venha a apoderar de ti. Ainda que consideres – hipoteticamente – ter sido ridiculamente tratado, pondera nas circunstâncias e verás que, no fundo, não só foste coerente com aquilo que consideravas justo, como também deste sinal que todo o indivíduo é capaz do mais puro acto de humanismo. E então? Consideras que ficaste realmente a perder com a situação? Olha bem para dentro de ti (demora o tempo que for necessário) e encontra o cintilar do novo conhecimento que brilha em ti. Será essa sabedoria que te aproximará mais de quem tu realmente és, a útil alavanca que te impulsionará para a nova etapa do teu caminho.


(16/12/2010)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Consciência e Actuação

Michael Collins foi um homem simples, nascido em Sam’s Cross (West Cork), uma cidade infamemente célebre por ser um autêntico covil de ladrões e vagabundos. A sua família possuía uma humilde quinta e viviam daquilo que a terra lhes dava, sendo felizes (ou, pelo menos, supostamente) no seio das suas conscientes limitações e condições. Talvez esta história não tenha nenhum ingrediente que as distinga das demais, talvez ela até comece da mesma forma que começam as histórias mais simples e banais. Mas certamente que o amigo leitor já se estará a questionar sobre o porquê desta introdução. Quem foi, afinal, este Michael Collins e o que é que ele tinha assim de tão especial? Foi algum larápio de renome? O chefe de uma mítica pandilha? Um autêntico mestre em assaltar delegações bancárias?

Collins foi muito mais do que isso. Foi um homem que, já desde sua tenra idade, possuía um enorme sentido patriótico e uma firme convicção num ideal tão grandioso, tão forte e tão verdadeiro que transcendia até toda a simples condição humana; foi o líder da revolta irlandesa em princípios do séc. XX, aquela que colocou um fim aos 700 anos (!) de domínio inglês no território. Onde todos os outros falharam, Collins venceu e a Republica da Irlanda voltou a conhecer o forte brilho do sol da liberdade. É claro que sua história continuou, com todas as virtudes e vicissitudes, mas foquemo-nos apenas no seu combate extraordinário em nome do que sentia ser o correcto.

A nossa própria história (humana, entenda-se) é rica em inúmeras personagens do género, como Spartacus, Wallace, Guevara, Gandhi, Luther King, Mandela – todos eles gravaram o seu nome nas paredes do tempo, independentemente da Era e do contexto em que viveram. Mas o que será que eles possuíam? De que eram realmente feitos para, em vida ou em morte, terem conseguido imortalizar seus feitos?

Todos eles eram humanos, tal como o leitor e eu – isso eu posso garantir. É claro que ao longo desse tortuoso caminho que decidiram seguir, muitas foram as tentações e as provações, autênticos testes de fé que avaliaram a firmeza de suas personalidades e a verdade da palavra que diziam defender. Independentemente de se reprovar (ou não) os métodos utilizados por cada um (relembre-se, em nome do bom senso, das épocas em questão, das implicações políticas e das zonas geográficas envolventes), a verdade é que todos foram capazes de dar um passo em frente quando mais ninguém se atrevia a fazê-lo. Eles levaram a vontade ao auge! Quer pela espada, quer pela palavra (escrita ou falada), eles foram os paladinos de um ideal e de uma verdade, líderes destemidos que fizeram de suas vidas o meio único para a conquista de centelhas que conseguissem iluminar a escuridão que rodeava o Mundo. Não foram tarefas (ou melhor, demandas) suaves, isso também vos posso garantir, mas nunca ninguém lhes disse que o seriam, pois não? O que os distinguiu dos demais? Persistência! Pois é essa a grande qualidade de um vencedor; é cair e saber se levantar uma e outra vez, quantas vezes forem necessárias, até que o propósito esteja cumprido.

Ainda que muitos não acreditem, todos temos essa centelha em nós, essa força magnífica que glorifica a luta por um ideal que consideramos nobre. É sempre possível argumentar que tais personagens estavam destinadas a tais feitos, que já possuíam as ferramentas necessárias para o desempenho da sua missão. Talvez seja válido, mas não descuremos o facto de que eles foram escolhidos só porque se fizeram escolher. Sim, o segredo está na nossa própria escolha e na vontade em aceitar todas as consequências que daí possam advir. É por isso que afirmo que não será fácil, mas a encruzilhada já se faz anunciar no caminho: ou escolhemos dar esse passo ou ficamos na sombra para sempre. Podemos temer, assim como eles também recearam, mas note-se que isso nunca foi um motivo capaz de impedir os seus avanços.

Eram tempos árduos e distintos dos de hoje, onde o “eu” era renegado em prol de uma causa maior. No entanto, é importante acreditar que sob as actuais circunstâncias tudo pode ser diferente – o colectivo constrói-se pela afirmação de cada indivíduo e, juntos, aqueles que decidirem embarcar na caravela que navegará pela nova maré alcançarão o tão desejado porto de abrigo.

Nesta etapa, repito aquilo que tenho vindo a constatar: podemos viver na pior crise económica ou humana, mas é nesse preciso momento, quando o mundo material ameaça revelar a sua fragilidade, que as questões espirituais se levantam, quer como um consolo ou simplesmente como o anunciar de que está na hora de despertar consciências. Por isso, é chegada a altura de, finalmente, gritarmos bem alto o nosso querer, como se fossemos combatentes de uma luz pronta para a investida; é hora de decidirmos quem queremos, de facto, ser; é tempo de escolhermos o nosso lado nesta batalha universal, que há muito se desenrola sem um fim anunciado. Afinal, é tudo uma questão de consciencialização e (lembre-se!) de escolhas.

(adaptação do artigo com o mesmo nome e de minha autoria editado pelo Jornal CHACA em Fev 2009).




(Michael Collins, 1890-1922)

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Chuva Oblíqua

Que fizeram eles a esta chuva
Que tão oblíqua cai,
Tornando difícil a conquista
De um guarida segura?

Não há árvore que dela proteja,
Nem arbusto denso o suficiente
Para esta chuva corrosiva
De proporções inimagináveis!...

Mas o sol ainda brilha, lá bem no alto,
Escondido pela ira de tais nuvens
E daqueles que se dizem Deuses
De um Olimpo de castigos implacáveis.

Que fizeram eles a esta chuva
Que mergulha aqueles em que toca
Num imenso sono desperto,
Que é a eficaz propagadora
De uma vontade controladora?

Só a elevação do olhar,
Para aqueles que conseguirem,
Será a protecção ideal -
Só a compreensão de um problema real
Se apresenta como solução.

Pois não existe um escudo tão forte
Quanto este ardiloso fenómeno,
Nem o furioso vento,
Nem o bravo pássaro que,
Sem destino, vai
Fugindo desta chuva
Que tão oblíqua cai.



(PBC - 2009).

domingo, 28 de novembro de 2010

ANÚNCIO

Caros visitantes,

Já se encontra disponível, após a sessão de lançamento realizada a dia 27 de Novembro (em Oeiras), o livro "A Jornada da Loucura", um original de poesia da minha autoria.

Podem visitar o site da Editora e procurar a obra (http://www.papiroeditora.com/) ou, em alternativa, visitar uma livraria perto de vocês.

Beijos e abraços,


Pedro Belo Clara.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Novos rebentos (I)

I.

Caminham as horas na sua ilusão,
Assim como caminho eu
Nas extensas passadeiras
Estendidas pelas folhas que vão tombando.

Desenhando e retraçando
Novos trilhos nos trilhos do parque,
Guio a minha presença
Através dos ícones da multiplicidade,
Passando pelos corredores dos instantes
E acenando, telepaticamente,
Às gravuras de um real imortalizado
Em minúsculas películas temporais.

Rejubilo com as crianças
Que pulam e sonham em seus
Peculiares mundos de sonho,
Sorrio a cada mulher que me oferece
As partículas de seu florido perfume,
Inspiro a essência que levemente
Paira pela fina névoa pendente,
A mesma que convida a entrada
De um Inverno cada vez mais presente,
E admiro a tímida beleza expressa
Nas árvores semi-desnudadas.

Mas quão frágil é o cristal
Reflector da pretensa realidade…

Novos rebentos (II)

II.
A beleza bucólica sempre é
Aprazível ao olhar simples e atento,
Mas muito para além disso,
Além das fronteiras marcadas
Pelos restos das imagens passadas,
Há hoje um ténue ruído vibrante
Que se torna ainda mais pulsante
Com o preciso contar dos momentos.
Em torno de mim mesmo,
Habitual viajante que vagueia
Pelos cenários do quotidiano,
Todo um conjunto anónimo e invisível –
A breve parte de um centro maior –
Opera com fins de futuro,
Fincando silenciosamente
As raízes daquilo que há de nascer.
Inserido nas rudes estações
Que nestes tempos persistem,
É isso que é deveras aprazível.

Noutros ventos,
Cantaria eu toda a beleza singela
Que povoa cada recanto de tal cenário,
Mas todas as canções são silenciosas
E é tempo de compor uma melodia
Que se faça ouvir no horizonte.

Pela aridez do que baqueia
E perece e apodrece lentamente,
Novos rebentos estão a irromper,
Encerrando em si novas sementes,
Novos aromas a serem exalados
E que, nestes corredores de tempo,
Proliferarão por cada galeria enegrecida,
Implementando os pilares derradeiros
Que, salvaguardando o belo
Que entre nós ainda subsiste,
Sustentarão as novas manhãs,
Desejosas por viçosas brotar
E por finalmente abençoar
Cada semblante que, reanimado,
Se volteará na direcção do verdadeiro Sol.


(Pedro Belo Clara – 20/11/2010).


sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Lágrima solitária

Todas as noites,
Encontro-te sempre
Com o mesmo olhar:

Baço, vazio, sem vida,
Perdido em utopias
Ou em questões banais,
Mas que tanto te preocupam.

Para ti, o céu não passa
De uma imensa mancha escura
E as estrelas são meras ilusões,
Pois não é possível existir algo
Que brilhe tanto assim –

Alguém desnorteou
A tua agulha magnética
E o teu desespero calado
É só um pérfido efeito
Do veneno que te administraram.

Vives na realidade que julgas real,
E cumpres ferozmente
As ordens dessas vozes sem rosto
Que só tu ouves.

Talvez tenhas desistido de lutar,
Talvez tenhas esquecido
Aquilo que um dia quiseste cumprir…

Se assim foi,
Esqueceste-te de quem és.

Embora ainda haja algo
Que lateje,
Uma chama fosca que arde
Num gasto pavio,
Tu não consegues entender
O esclarecido significado
E ignoras o resgate.

Por isso, adormeces
Debruçada sob o teu cansaço,
Deixando que uma lágrima solitária
Percorra o sinuoso caminho
Das amarguras cravadas no teu rosto.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Se as estrelas conseguissem conjugar

Se as estrelas conseguissem conjugar
As mais doutas palavras de pasmar,
Com exclamativa declaração
Adornavam a sua observação
Dos pequenos seres!

Aquele estranho e peculiar grupo, então,
Que como desordenadas formigas
Trilha um rumo tão estranhamente incerto,
Seria a maior presa de seus perplexos
Comentários e julgamentos!

Pois, eles, tão embrenhados em pensamentos
Que se suspeitam serem vagos,
Fogem de um Mal anónimo,
Lutando e coleccionando objectivos
Sem entenderem bem o motivo
Ou a validez de tal razão.

Eles, que se dizem Homens,
Consideram-se todos proprietários
Da mística Verdade Universal
E da certeza de todos os impulsos;
Mas, bem no seu âmago,
E a todos sem exclusão,
Pulsa uma negra sombra
Que ameaça cada frágil pilar
De seus fúteis empreendimentos.

Esse Medo, eterno arqui-inimigo,
Presença persistente e inapagável,
Segue todos os seus movimentos,
Aguardando pelo instante certo
Para realizar a sua investida.

Talvez por isso,
Numa certa – porém abafada – intuição,
Céleres caminhem pelos trilhos cruzados,
Escapando ao terror dos tentáculos
De tão temível adversário.
Mas em cada pedra reside o impulso
Forte o suficiente para derrubá-la,
Ainda que todos se julguem vítimas
De exclusiva bênção maldita –
O admirável sentir.

Felizes aqueles que vivem elevados!
Ainda que tamanha seja a tarefa
Que ardilosa flameja em suas mãos…

Homem,
És tão imensamente superior
À imagem de ti mesmo constróis;
Olha em frente!
Pois é esse o primordial passo
Para se comungar com o horizonte
Que te guiará através dos longos
Caminhos da conjunta evolução.


(12/05/2010).

domingo, 31 de outubro de 2010

"Mentes agitadas"

Nestes tempos conturbados a que todos assistimos, imersos cada vez mais na ramificação dos mais diversos problemas sociais e económicos, existe uma necessidade crescente, uma ânsia tão desesperadamente calada e pronta a entrar em erupção e a elevar algo que todos aguardamos silenciosamente. Mas, o que será esse “algo”? Conscientemente, não o sabemos. Contudo, nas profundezas incógnitas do inconsciente humano pulsa a ideia imbatível, a vontade ou, talvez, a certeza de que “algo” irá mudar e de que toda a etapa vivida é transitória. Será isso, então, um optimismo secreto? Para muitos, sim. No entanto, os mais clarividentes dar-lhe-ão o nome de sabedoria interior, a fiel intuição que vive dentro de cada ser humano e que comunga com aquilo que se designa de “inconsciente colectivo” ou, num sentido mais amplo, de “alma do Mundo”.

Todos nós, independentemente da sua origem, somos habitantes deste planeta, filhos da Natureza e da Energia que nele habita; logo, nunca seremos indiferentes a certos tipos de mudanças que nele, eventualmente, ocorrerão, quer sejam fruto das acções praticadas por outros Homens, quer sejam consequências de algo superior. A verdade é que, apesar de ignorarmos sempre esse facto e de vivermos cada vez mais afastados nas nossas reais origens, continuamos sensíveis à ocorrência de todos esses aspectos pois, em essência, somos os raios de um mesmo sol, as pequenas partes de um todo comum. Estando assim conectados, a um nível superior, é perfeitamente normal que aguardemos por tempos melhores, visto que isso é algo que nos tem sido prometido, no secretismo dos sonhos, pelos representantes da “Força que tudo cria”.

Já muito foi trilhado pela Humanidade, até ela, em conjunto, decidir que era altura de modificar o seu padrão vibracional e evoluir. É claro que existem sempre forças contrárias neste processo, daí a importância de levar a mensagem a mais indivíduos, para que o tal despertar possa ser concretizado. E é curioso assistir ao nascimento de um novo tipo de sociedade, mais evoluída, justa e serena, a partir dos pilares decadentes daquela que ainda vigora. Talvez o leitor nunca tenha notado este aspecto, uma vez que só agora é que tais princípios estão a ser lançados, mas acredite que a semente da Nova Era está lançada e começa agora a germinar, ainda que muitos sejam aqueles que possuem uma visão toldada (nem sempre por culpa própria, entenda-se).

É chegada a hora das decisões. E, a cada segundo que passa, estamos a ser colocados à prova, desde o mais elaborado ao mais insignificante (aparentemente) dos actos. Afinal, é pelas nossas acções que nos definimos e caracterizamos. Agora, mais que nunca, o trigo irá ser separado do joio, pelo que uma tomada de posição é deveras crucial. Pretende continuar nas águas turvas de uma sociedade moribunda? Ou pretende erguer o braço em serena revolta e decidir que é hora de mudar, de contribuir para o avança de uma nova sociedade onde, aos poucos, toda a estrutura antiga e insignificante irá perder o seu lugar? Será, certamente, uma bela ideia aquela que concebe uma comunidade com sentido de evolução, com toda a tecnologia ao serviço de um Bem Maior, onde cada um dos membros ocupa o lugar que pretende e para o qual possui gosto e naturais aptidões, onde as rotinas deixam de existir, onde, a cada dia, um novo rumo vai sendo definido… Olhe para si mesmo e escute as palavras da sua sabedoria. Acha a tarefa difícil? E quem disse que seria fácil? Mas considera-a exequível? Então, acredite! E como começar? Por aquilo que nos foi dado como dom, ainda que nem sempre o saibamos usar – a nossa consciência.

Pense, conjecture e, acima de tudo, questione. O processo poderá ser longo, mas garanto-lhe que obterá as suas respostas. Ao iniciar esse caminho, nem imagina todo um conjunto de novas portas que se lhe irão abrir. Questione, duvide, ponha em causa e acredite e aceite somente aquilo que, para si, for real, pois possui o discernimento para tal. Nada disto se relaciona com religiões, credos ou dogmas, é apenas uma forma de nos tornarmos peregrinos pela causa da transformação. E quando o processo se inicia, em nós, há todo um conjunto de forças que actuam para nos guiar até ao porto pretendido. Afinal, trata-se de um refúgio pessoal, onde nos auto-curamos e questionamos cada premissa de cada ideia e acto em total convergência com a fluidez da Alma. E aqui surge a velha Lei da Dualidade: quando a Matéria se revela inoperante e decadente, a Substância eleva-se como solução. Será isso o “algo” que tanto buscamos? Qual é o parecer do leitor? O que é que a sua sabedoria tem a dizer sobre isso?

Em todo o caso, que possamos ser sempre, a cada dia, em cada momento, mentes saudavelmente agitadas, inquirindo e agitando ainda mais estes passageiros tempos de agitação, até que as Trevas da ignorância se transformem – finalmente – na Luz da sapiência.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Quarto minguante

A lua está em quarto minguante
E eu caminho pelos corredores
Da minha prisão.

Nela, existe uma cela única
Onde todos nós vivemos,
Não obstante do vazio
Que separa os espaços.

A lua está em quarto minguante
E eu sou oprimido pelas paredes
Desta prisão de aço e betão;

Uma prisão de muralhas bem altas,
Onde os seus corredores
Atravessam vidas desencontradas.

E, durante esse tempo morto,
Quando as grades se tornam visíveis,
Abafam-se os pensamentos
E as vozes confundem-se
Com os seus próprios ecos;

Os reclusos caminham sem destino,
Como que guiados por comandos invisíveis,
E tudo se cumpre ao abrigo
De uma lei implacável e silenciosa.

E é aí que eu pego em minhas forças
E me ergo em minha cela,
Batendo incessantemente
No metal de suas grades,
Para que o denso nevoeiro
Do passado se disperse
E se desperte em nós
A vontade e a consciência:
Os pilares de um novo futuro.

(2010).


terça-feira, 26 de outubro de 2010

São 17h e os sinos tocam (*)

São 17 horas
E os sinos tocam alto
Na torre da velha igreja.

Tocam e ecoam o seu toque
Por metros e metros
De prédios desalinhados
E jardins empobrecidos,
Competindo com a sinfonia
Dos carros desordenados que,
Desenfreados,
Passam na estrada.

Os mais idosos recolhem já
Ao seu confortável refúgio
E alguns reúnem-se
No café de sempre,
Onde outros tantos,
Alienados,
Existem por entre
Ninhos de cigarros
E incontáveis copos de vinho.

Pais e mães terminam
Mais um extenuante
Dia de labor,
E as crianças, tão precocemente
Carregando o seu futuro às costas,
Trilham as rotas da rotina.

E nada mais há a dizer
Sobre este mundo
Que se desenrola
À minha frente.

São 17 horas.
Bate-me à porta
Uma saudade antiga,
Incapaz de amenizar
O que sinto;

São 17 horas e percorro
Os caminhos da estagnação,
Observando o que lá respira e
Estranhas formas de vida
Que por lá se demoram.

São 17 horas
E mais um dia se cumpriu,
Mais um dia se desperdiçou.
Sem sentido, focado
Num objectivo falso
Estabelecido e atribuído
Por essas mãos controladoras
E manipuladoras
De vidas e de sonhos.

Pois, enquanto nos mantiverem
No limiar da cega ignorância,
Fechados num curral sem saída,
Conseguem fazer-nos esquecer,
Conseguem impedir-nos de crescer.

(30/03/2009).

 

(*)- Previamente publicado no "Jornal do CHACA", Edição de Maio de 2009.


 

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mundaneidades

Repisado começo em manhã fria,
Despertar alvoraçado
Nos lençóis do repouso,
Acção tão descabida,
Plano planeado
Mas nunca executado,
Avidez e disputa
Por um controlo tão fugidio
Quanto ao tempo
Pelas horas assinalado.

Discórdia absurda
(Mas haveria dúvida?),
Frases de injúrias recheadas,
Incongruências em conjugações
Que só ferem por injustiça.

Reatar? Perdoar?
Há sempre um novo momento
Nas vidas descontroladas
Como comboios sem freios
Trilhando frágeis carris,
Pois cada gesto anterior
É sempre tardio e inútil
Em significado recebido.

O gelo do dia não refreia
Tamanha turbulência
E, à medida que se vai gastando,
Novas são as palavras que esbarram
Nas muralhas da incompreensão,
Como comunicação frustrada
De sucesso desprovida à nascença.

O relógio, eterno inimigo,
Aclama, por fim, o regresso
E todo o percurso é repetido
E evitado nos meandros da solução.
Afinal, é mais confortável julgar
De que tudo já está perdido
E que nenhum desses efeitos
Vale a sua conquista;

Nem carinho, nem amizade,
Nem compaixão, nem amor.

Fervilham, então,
Sob as luzes toscas,
Ecos de diálogos rotos
E tão futilmente construídos,
(Soando a interferências
Em aparelho audiovisual)
Ditos por marionetas com vida
Que se dirigem a lado nenhum.

Canções vagamente sentidas,
Oferendas empeçonhadas,
Dócil quietude falseada,
Cinismo tão recorrente
Que até se torna banal,
Expressões de intolerância
Cravadas nos muros
Da revolta irada.

Onde mora, então, a harmonia?

Somente – e eis a ironia –
Dentro de cada ser
Que concede o comando
De sua existência manipulada,
Apertada pelos braços
De um senso intolerante.

Mas isto, claro está,
Se ainda subsistir espaço,
No centro da vanidade,
Para a frágil centelha
Da autêntica serenidade.

(17/02/2010)


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Hoje e só hoje

Por hoje e só hoje,
Não irei correr atrás
Do rasto deixado pelo Mundo;

Por hoje e só hoje,
Irei deixar que os fugitivos
(que escapam de medo nenhum)
Me ultrapassem na estrada
Pela rotina alcatroada;

Por hoje e só hoje,
Irei largar a vontade inútil
De igualar o meu semelhante
Tão alienado e perdido;

Por hoje e só hoje,
Deixarei para mais tarde
Todas as obrigações impostas
Pelo cárcere imperial e soberano;

Por hoje e só hoje,
Irei deixar que todo o hoje
Seja irmão deste mesmo hoje,
O hoje em que me mascarei
E despercebido passei
Pelos frios sentinelas
Da mundana Matriz.

(Pedro Belo Clara – 17/07/2010).



Carrossel


O alvorecer saúda-te, firme e feliz
Por ver o seu novo filho a caminhar
Pelo lugar onde fincará a sua raiz,
Ainda que não saibas onde a fincar;
Mas inicia-se, para o teu jovem ser,
A jornada que será a tua existência,
Onde irás, de novo, ganhar, perder,
Sorrir, chorar – tão simples ciência.

E todos esses teus dias primeiros
São dias de folia e néscia vontade,
Tal é a luz que banha os fronteiros
Do saber que deténs como verdade;
Neles, exploras o teu desconhecido

De semblante rasgado pelo sorriso
Que te acompanha, tão destemido
Nesse passeio tranquilo pelo paraíso.

Gozas dessa feira e de suas virtudes,
Correndo pelas bancas das oferendas,
Degustando os sabores e plenitudes
Das singulares e ofertadas merendas;
E continuas, feliz, divertindo-te assim
Pelas esquinas de tal sublime evento,
Maravilhado pelos tons de carmesim
Das bandeiras desfraldadas ao vento.

Passa o tempo sem que o denotes,
Mas ainda te espera a atracção final –
Em diluídos cheiros e vagos recortes,
A máxima prova da infância magistral
Faz chegar até ti a sua doce tentação,
Enlaçando-te num abraço de mãe.
Porque te deténs? Solta-te coração 
E segue a inocência que te fez refém!

Apressas-te, alegre, para o encontrar
Até que, qual nobre e distinto corcel,
Envolto em feirantes tons de encantar,
Surge o mágico e desejado carrossel!
Tomas teu lugar – vazio, em profecia,
Como se para ti se estivesse a reservar –
E aguardas, em impaciente alegria,
O sino tocar. Tlim! É hora de começar!


Começa a girar e cantas, contente,
Ao ritmo das melodias giratórias
E ignoras o hipnotismo indolente
Que assassina as antigas memórias.
E gira, gira e torna outra vez a girar,
Numa hipnose acentuada em tons
(Só fragmentos consegues escutar,
Como se o mundo abafasse seus sons).

Lentamente, esqueces o teu sorriso;
Não sabes mais como entoar a canção
Mais bela que entoavas pelo paraíso,
Na estrada da colorida imaginação,
Pois a cor é já uma longínqua ideia,
A ideia de que tudo fora pintado
E decorado por sinfonias de sereia –
Cinzento é o todo agora observado.

Atordoado e de essência debilitada,
Vais soltando cada magia aprendida
Numa época agora já tão deturpada,
Pulsando de dor por bela alma ferida;
E tudo parece estar deveras distante,
Tudo corre num ritmo desenfreado
Como se todo o brevíssimo instante
Se encadeasse ignóbil e desordenado.

E gira, gira e torna outra vez a girar.
Tu, em súbito impulso, já derradeiro,
Despertas a hipótese de poder saltar
De tal oleado mecanismo matreiro,
Mas, em momento doloroso e final,
Tua força, manipulada, trai o instinto
E preso continuas ao minguado sinal:
“É tudo ilusão aquilo que agora sinto”.

Encerra, talvez, essa chama franzina
Em cápsula imune ao global desvario,
E gasta-a em obra de impressão fina,
Algo mais que um mero sorriso vazio.
Do carrossel é ainda mais árduo fugir,
Girando, girando e tornando a girar,
E antes que tal cancro consigas banir,
Tombas – tua vida acabou de cessar.




(06/2010)