terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O acto de questionar


Indagamos, nesta nossa existência que prolifera por um fértil terreno de experimentação e, por consequência, de aprendizagem, certos elementos, variantes que julgamos impossíveis, motivos ocultos, crenças até. Por mais que tal acto funcione como uma catalizador da dúvida (no menor dos efeitos, considere-se, abana os alicerces de uma estrutura), ele revela-se essencial a toda a “Alma viva”. A partir da escuridão plena irromperá a luz, sempre. No fundo, apresenta-se como um denominador comum a todos nós, aqueles que caminham, empreendem, flúem, assimilam, contemplam, tombam e se erguem ao longo de suas pessoais etapas. Revêem-se os leitores, meus irmãos de Caminho, nestes actos? Óptimo! Isto porque, se bem analisada e compreendida for a ocorrência, ao debruçarmo-nos sobre tais eventos encontraremos a razão de nossa total união, um foco de empatia entre semelhantes, o facto de que muito pouco nos separa, apesar de, dia após dia, continuarmos a optar pelo afastamento e esquecimento de questões deveras básicas, humanas até à medula que sustém a sua colocação.

No seio de tamanha demanda indagadora, podemos até nos afogar no turbilhão das questões soltas, perguntas por demais ansiosas, mas revela-se importante reter a principal virtude de tal acto, apesar de não em poucas ocasiões amaldiçoarmos essa arte (uma bênção com disfarce, é o que ela é). Se, em sinal de anuição, entrelaçarmos as mãos – as nossas e as que amparam a questão efervescente – iremos  compreender, testemunhar a revelação de algo maior e, com isso, crescer – não só como indivíduos, mas também como luz cintilante que todos somos. Mas, novamente o sublinho (como já o fiz em publicações anteriores), cada um encontrará as vias próprias que o guiarão até ao seu próprio coração, ao seu âmago mais íntimo e profundo; por nós nos perderemos e por nós nos encontraremos, conquistadores finalmente conquistados no silêncio dos instantes. Mesmo assim, quando passamos a ponte e dessa margem perscrutamos o que na outra sobejou, sentir-nos-emos soltos e límpidos, desapossados de qualquer peso incómodo. E, aí, será curioso constatar que as respostas alcançadas tinham, afinal, o delicioso som de nossas próprias palavras.


Pedro Belo Clara.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Os Amantes

Por vezes, ao sermos irremediavelmente afectados pelas agressões de uma etapa de negrume, dor e provação, certas crenças tendem a reluzir, frágeis, como que se aprontassem a abandonar nosso carácter, outrora firme. E em quantas ocasiões, mirando um confuso e instável mundo de solidão e orgulho, não duvidámos já da beleza do Amor e de seus benefícios? No fundo, olvidamos a flor que ele é, um exemplar casto e dócil que brota de um solo rude. Mas… quem deseja acreditar em rosas no deserto? Aquele que pressente e sabe que a sede logo se sacia assim que a fonte seja encontrada. E isto apresenta-se como uma assente linha de condução. Por isso, aos irmãos que hoje duvidaram das artes de um Amor simples, autêntico e redentor (e também àqueles que num amanhã próximo sentirão o mesmo fenómeno), eis uma breve história:

Desperta o sol na terra de todos os sonhos, por entre os devaneios de um céu a clarear, e logo é saudado pelo glorioso chilrear dos pássaros, quais aves do paraíso. Assim se inicia um novo dia. As primeiras brisas ainda são quentes, como se se quisessem tornar uma forte e vívida evocação de um Estio prestes a consumir-se, e, por entre sobejos de suspiros e belas magias, dois olhares despertam e encontram-se a sorrir. Liberta-se um beijo apaixonado, após o lento tactear das fronteiras que se definem diante de cada olhar, e dois indolentes corpos erguem-se, encarando o esplendor que os rodeia e a magnificência de um horizonte azul. Refrescam-se, então, na fonte de todas as paixões, dois rostos jovens e felizes aprontando-se para os eventos de um aguardado provir, mas sem ocultar as marcas das vitórias e das derrotas de um tempo, aquelas que fizeram deles aquilo que são. Agora, cada dia é uma bênção que sobre eles recai como chuva divina, e a eternidade pertence-lhes. Como sempre fazem em cada dia, juntos caminham na sua praia de cristal até esse porto de chegada da Vida, onde as ondas acariciam a fina areia e moldam as rochas de um pontão. E, ao caminharem, é como que se as suas sombras se unissem, pois em perenes momentos desfrutam de suas existências tão próprias e tão comuns.
Ele é um sonhador, um eterno cavaleiro de uma mística demanda, um marinheiro que navega ao sabor das brisas frescas em busca de um mar para além da saudade. Ama alguém que o entende até às profundezas de sua alma e que sempre consegue apartar de seu peito uma dor que, por vezes, sente. Ela, por sua vez, é a princesa de um castelo no vale das paixões, uma verdadeira Rainha que ama um Rei nobre, sabendo que em seu ombro encontrará sempre repouso e abrigo. São dois amantes que partilham um rumo e que juntos suportam a dureza de alguns caminhos, vogando nas esperanças de uma existência. Perdem-se e encontram-se no imaginário; amam-se no real. E, no final de cada tarde, admiram o pôr-do-sol, de entrelaçadas mãos escutando o silêncio de seus plácidos corações, como se fosse a prima vez que os estivessem a escutar. E é nesses ambiente de paz, nessas desenvolturas infinitas, que o vento lhes traz fantásticos aromas e sopros suaves que refrescam e aconchegam aquela praia de cristal. Os cabelos dos amantes, acariciados por essa aragem, descobrem os sempre jovens rostos, e um leve aroma a maresia paira no ar. Seus corpos, ainda trazendo pequenas recordações da fina areia, entregam-se à imensidão e unem-se em momentos de terno amor, paixão e desejo. Novas sensações são descobertas, assim como fraquezas – mas isso é algo que apenas os faz amar ainda mais. Então, são livres; livres de um mundo cansado mas que ainda sorri, livres da dureza material, livres de toda a imposição decretada por vontades que não a suas… E voam por prados esplendorosos, visitam oníricos reinos, respiram o cândido perfume que os envolve como um abraço ternurento.
Por fim, por entre sonhos de amor, repousam finalmente no seu leito de pétalas de rosa. Ela adormece e sonha com o seu Rei; ele, ainda acordado, é embalado pela madrugada, enquanto admira cada traço do rosto daquela mulher que, silenciosamente, a seu lado se permite banhar pela luz do luar. Por muitos que sejam os dias que juntos partilhem, ele sabe que, em algum momento, nascerá o dia que marcará a sua separação, o instante em que a sua viagem a dois será temporariamente interrompida. No entanto, os amantes que confiam no Amor, conhecem as estações e a natural sucessão de todas as coisas; sabem que em cada nova vida que se irá iniciar, dar-se-á o reencontro anónimo (se tal for fruto das supremas realizações de um Bem Invicto). E, mesmo que um deles se atrase no caminho intemporal, o outro ficará sempre à sua espera, na esquina mais próxima ansiando pela chegada do outro pedaço de si mesmo. Cada reencontro será o relembrar de muitas vidas, de muitos papéis representados e cumpridos. Assim, os amantes tornar-se-ão eternos como as lendas que imortalizaram o seu amor, pois descobrirão que, afinal, sempre viveram no coração um do outro e que nunca estiveram sós, por mais persistente que tivesse sido essa ideia ou sensação. Mas esse é um segredo que a noite guarda; é ela a mensageira das palavras de alento que todo amante confuso e cansado de esperar recebe de sua outra metade: «Meu amor, aguarda, pois estou quase a chegar…». E, como afirmam os Poetas, «coisas boas sempre sucedem a quem nelas se dignar a crer, a quem por elas esperar».

Assim, considero, nada mais há a dizer, apenas uma ideia a reforçar: acredita.


Pedro Belo Clara.


terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Aquilo que verdadeiramente importa

Agora que se marcou o término (ou quase) das principais festas por muitos de nós celebradas, propunha, como se pegássemos numa ideia que nos surge e que implora a sua maturação, o início de breves reflexões. E isto porque, não em poucas ocasiões, caminhamos os trilhos da existência sem profundamente observarmos o que adorna as suas margens. A Vida não é somente um Caminho, mas um conjunto de condimentos que compõem a Unidade. Um deles é, por exemplo, a contemplação, essa arte que tanto nos propicia a reflexão perspicaz, contribuinte de uma lapidação de carácter ou limpeza de Alma. Mas, obviamente, toda a arte só melhor serve aquele que com ela mais se identifica – daí a constante importância de cada um descobrir, por si só, os caminhos de seu coração.

Evocando, então, todos os momentos que recentemente vivênciámos e partilhámos, o que poderemos nós dizer sobre eles? Foram experimentados em seu esplendor? Cada emoção e sentimento foi saboreado da melhor maneira que nos assiste? Verdadeiramente celebrados junto daqueles que nos rodearam? E, mesmo que a solidão tenha sido a nossa única companhia, daí eclodiu algo de revelador? Algo despoletador de uma necessária mudança ou rompimento? Somente cada um de vós, irmãos caminhantes que me lêem, poderá responder de forma sincera. Em todo o caso, recordem que cada etapa de nossas existências fornece o entendimento ou a lição necessária à nossa desenvoltura, como seres que somos. Jamais se arrastem pelo hipotético erro ou falha por vós não aceite – uma nova manhã virá e tudo poderá ser recomeçado, até que consolidado esteja esse novo meio de agir, pensar ou ser. Por isso, apenas poderei desejar que o Amor tenha sido o supremo sentimento que vos habitou. Caso contrário, que cada um de vós possua em si (ou encontre em si) a necessária força para concretizar vossos pessoais processos: que se abram ao sentir exterior, que sintam a sabedoria para decidir e a humildade para aceitar acontecimentos de um porvir, pouco desejáveis talvez, mas deveras essenciais ao vosso maior propósito.

E, para aqueles que consideram o Amor algo banal, algo quase extinto nos duros caminhos rotineiros, digo: olhem para vossos corações e escutem o vosso primordial silêncio. O que conseguem entender? O que conseguem sentir muito para além das negras cortinas com que vos adornaram? No fundo, há algo em vós que, muito rouco, exíguo e esmaecido, ainda vos faz acreditar, ainda se apronta para enfrentar todas as etapas e daí recolher a merecida colheita. E isto porque diversos actos, valores ou pensamentos, não poderão ser simplesmente olvidados – eles são aquilo que verdadeiramente importa. Por isso, dirijam-se a todos aqueles que foram agraciados com a bênção que só os filhos concedem, e perguntai: o que realmente deve importar nas vidas de vossas crianças? Rodeados por um mundo que implora por consumo rápido, exacerbado e indiferente, serão os presentes caros a ocupar o topo dessa tabela? Aqueles brinquedos que, mal sejam por eles usados, logo são colocados de parte, por célere se fatigar a mão que os manobra? Ou o verdadeiro e autêntico Amor de seus progenitores, tão puro e incondicional? Os pais que se lamentam por não disporem de materiais meios para conceder a seus filhos tão belos presentes, porque olvidam o maior presente de todos? Aquele que já possuem em si e que de forma tão livre e autêntica poderão conceder. É claro que, em geral, as crianças comparam-se aos seus semelhantes, desejosas por pertencerem a certos grupos e por possuírem aquilo que os demais também possuem, sob o risco de se sentirem (ou serem) marginalizadas, excluídas. Mas… será isso menos importante que o Amor? Ou, até mesmo, que os demais valores de carácter humano? Tudo depende de cada indivíduo, é claro; por vezes, as prioridades poderão estar invertidas, embora só assim melhor sirvam seus senhores. Mesmo assim, porque não questiona a criança (ou seus pais a fazem questionar) se aquele que tudo possui, desfruta de um verdadeiro Amor em seu lar? Em quantas ocasiões isso não representa um disfarce do distanciamento ou do abandono?...

Que quem viva cómodo na matéria conceda aquilo que pode ofertar – quem muito possui, mais responsabilidade terá –,  mas que jamais olvide os factores primordiais, tão facilmente subjugados pelo peso dos dias actuais. Talvez, em suma, isso seja o único aspecto que sobressai: o não esquecimento daquilo que verdadeiramente importa em nossas vidas e que tão agilmente nos auxilia em momentos turbulentos, quando sólido se anuncia o sentimento; aquilo que todos possuímos e podemos desenvolver e partilhar, como o remanescente de uma farta colheita – o Amor, sempre nobre, casto e simples, fluido como as coisas belas e sábias, eterno redentor, eterno salvador.


Pedro Belo Clara.