quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Indivíduo e a Sociedade

Em nossos dias de viagem diária, por mais incessantes que possam ser as solicitações de nossa Alma, ansiosa por se maturar, por se incluir em mais um novo percurso de auto-desenvolvimento, é importante não olvidar o facto de que não estamos sós. Isto é, respiramos e operamos em comunidade, por mais isolados que nos possamos achar e por mais amplas que sejam as nossas fronteiras interiores. Assim como não há sol sem lua, também nenhuma parte poderá existir sem o seu todo. Cada indivíduo é detentor do direito de ser respeitado por aquilo que ele próprio é e defende (em último caso, será “respeitosamente tolerado”), mas ele não se encontra só nesta grande estrada. Poderá caminhar sozinho, mas jamais se encontrará só. O isolamento social é sempre uma opção de cada um, podendo ser este um estado meramente temporário ou, em alguns casos, definitivo. Em tudo deverá existir um equilíbrio e, por isso, nenhum desses aspectos se encontra aqui em causa – todos somos UM; todas as espécies que neste belíssimo lugar residem, partilham a sua existência com as demais. Assim sendo, o Indivíduo não poderá ser considerado com alguém distante ou estranho à sua sociedade pois, em qualquer caso, ele é parte constituinte da mesma. Ainda que seja uma prática comum a quem governa ou, pelo menos, detém um considerável poder interventivo, não me refiro às habituais exigências que a Sociedade impõe ao Individuo, caminho esse, como tão bem sabemos, pleno de subjectivas intenções manipulativas, que só servem os “grandes senhores”. Mas falar de quem maneja as linhas das marionetas dará azo a um outro assunto, que não aquele hoje aqui exposto. Toda a Sociedade, sim, deverá contribuir para o Individuo e vice-versa, mas de uma forma fluida, sem qualquer pressão ou exigente realização. Aquilo que, sumariamente, indico, é o facto de, por mais embrenhados que estejamos em nossos obstáculos pessoais e sua formas de superação, podemos erguer nosso olhar e, perscrutando as redondezas, aproveitar a oportunidade que o Caminho nos oferece para partilharmos nossas experiências. Daremos somente a mão que se entrelaçará em uma outra, há algum tempo voluntariamente estendida. Senão, como será o nosso amanhecer se gastarmos todos os nossos dias centrados em nós mesmos? Aprendemos para ensinar e ensinamos para aprender; algo existe em todos nós que poderá ser concedido àqueles que estejam disponíveis à sua recepção. E basta um sorriso ou um abraço sincero para fazer descobrir o sol num amplo céu pelas nuvens enegrecido.

Adoptando uma conduta bastante sincera, em verdade vos poderei dizer, irmãos caminhantes, que não concordo com a maioria dos pilares sociais que erguem o cenário dos nossos dias. Urge a implementação de algo novo e os mais atentos dirão até que tal processo se encontra em marcha. E com a devida razão. Aliás, basta olhar em volta que, nas entrelinhas do horizonte, anunciam-se já as poeiras da mudança. Podemos todos contribuir para esse novo tempo que pulsa por eclodir? Bem, nós somos parte de um todo e, como tal, ele é o resultado de nossos actos. O Indivíduo poderá ser moldado pela sua Sociedade, mas ele é e sempre será o reflexo dessa mesma Sociedade. Ao criticá-la ou ao elogiá-la, estará a denunciar as suas próprias falhas ou as suas louváveis virtudes. Se alguém desejar modificar os trâmites de uma Sociedade, então basta que ele mesmo seja a mudança que tanto almeja ver concretizada. Tudo isto se encontra em nossas mãos. Desejamos modificar os antigos padrões? Dizer «não mais!» às noites de constrangedor silêncio, aos dias de fosca luz, às mentes corruptas que operam sem oposição? Então, que em nosso âmago todos esses elementos se modifiquem primeiro em lugar! Para alcançarmos esse alvorecer, deveremos implementar em nós a mudança que desejaríamos ver implementada, através de nossa actuação e modo de pensar. E não basta criticá-la, sublinhar as suas falhas e, no momento seguinte, seguir viagem rumo a um novo dia, onde precisamente as mesmas falhas tornarão a ser realizadas. No fundo, porque é que o fazemos? As palavras esbulham-se de valor se não forem adornadas pelos actos… Toda a acção, como é sabido, comporta uma específica duração e os efeitos da mesma nem sempre serão de pronto verificáveis, mas, se para o nosso olhar o horizonte é filho do Infinito, então em breve ele o será. Reflectimos nosso Ser no Ser que a todos engloba. Ao nos afirmámos fiéis à nossa verdade, assumindo-a sem qualquer tipo de receio, ao ganharmos a humildade e a coragem necessárias para procedermos à queda do antigo templo que se erguia em nós, aquele que honrava um deus já esquecido, estaremos a enterrar na fértil terra do mundo a semente de uma Nova Era e de todos os valores que a sustentarão. Podemos não ver completa essa magnânime catedral, o monumento dos novos tempos, mas certamente terá sido valoroso contribuir, nem que como uma pequena pedra seja, para uma de suas sólidas colunas.


Pedro Belo Clara.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Álbum de fotografias

Numa chuvosa tarde de Domingo, escutando o viril e distante ribombar dos trovões, no seio do meu mais aconchegante conforto, passei o olhar por um velho álbum de fotografias que, evidenciando-se, me despertou a atenção. Parece que, em dias assim, o apelo à evocação é sempre mais forte… Peguei nele e, atravessando todos os passados tempos que nele ressurgiam, demorei-me pelos efeitos que o próprio contar dos anos proporciona a todos nós. Observava rostos que já conheci e que ainda conheço e outros que a custo ia reconhecendo (ah, as durezas do Caminho e seus efeitos!...), além daqueles cujas existências nunca cruzaram a minha – apenas a sua promessa de vida consumida pairou diante de mim. E, assim, ignorando os minutos e as horas, ia analisando cada recorte dos rostos lá captados, o brilho de cada olhar, a sinceridade de cada sorriso. Curiosa é a arte fotográfica… Ou será que me devo referir aos ardis da fotografia? Seja como for, é magnífica (e ao mesmo tempo estranha) a forma como um momento, tão efémero para nossa percepção, pode ser assim captado, como frágil e submissa presa, imortalizado em perecível folha. É como se um suspiro pudesse ser sustido! Como tais objectos são, em sua verdade, os emoldurados quadros das memórias… Manhãs de ouro, tardes inesquecíveis, noites perfeitas… Quantas vezes, no seio de nossa tola ilusão, não desejámos já que fossem eternas? Mas, através de suas graças, essas horas transmutaram-se num hoje infinito. E não se deteriorassem tão celeremente as cores da mente, não amarelecessem as folhas de nossas evocações com o passar das ímpias estações e teríamos sempre em nós o esplendor do que já foi vivido… Mas porque digo que não o temos? Essa é a mais espontânea das considerações que nos assoma, quando confrontados com esse aspecto. Afinal, quantos de nós não se julgam já desprovidos de um esplendor outrora desfrutado?

É claro que nossas escolhas irão moldar as consequências de um amanhã distante…  Tudo poderá nos parecer perdido, desvanecido ou renegado, tudo aquilo que em tempos de outrora brilhou em nossa existência. Mas, se assim for, se nos virmos reflectidos na oxidação de uma época consumida, teremos sempre em nossas mãos a oportunidade de alterar a rota defina (é sempre importante relembrar este aspecto). No entanto, perante a imagem desfalecida, veremos também que, afinal, perpétuo era o brilho do sentimento remanescente, o fruto dessa tal vivência tão querida e desfrutada ao extremo. Eu revia, naqueles pedaços de época, companheiros de uma vida de caminho sorrindo como se o mundo fosse um iluminado palco artístico ou um rio desprovido de desilusões ou tristezas, fosse qual fosse o desígnio do porvir. E, ao deles me recordar, saboreei os seus perfumes de terra distante, pois fi-los de novo viver em mim. Estivessem eles onde estivessem, não os considerei assim tão diferentes, tão gastos ou consumidos pela avidez de uma vida dissimulada - avivei a sua centelha, a sua verdadeira essência. Oh! O que dez anos podem fazer a um Homem? Mudarão realmente alguém? Ou todos estamos imunes às investidas de uma impiedosa contagem? Como em todos os demais assunto, depende do ponto de vista adoptado. Além desses companheiros, observei igualmente aqueles que de mim cuidaram, quando retornei às planícies deste mundo, inspirando as pétalas de sua juventude. E eu? Era somente uma criança que corria na inocência de um tempo, em silêncio aprontando-me para o caminho que então se esboçava. «Oh!...», dirão muitos de vós, «O que o cair das folhas de um velho calendário pode fazer a um Homem?!...». Nada, na verdade. Ultrapassamos as etapas que o Caminho nos cria em nome de nossa evolução, suportamos as marcas de cada queda, suspiramos e duvidamos em muitas curvas tenebrosas, mas, se a Amargura não nos tornar amargos, nunca em nossa essência mudaremos; apenas ostentaremos os indícios de nossa aprendizagem. E isto se, ao longo de todo o percurso, por mais incessante que seja o palpitar da Dúvida, jamais olvidemos quem, no fundo, somos. Essa constatação, depois de feita, nunca deverá ser renegada; é a nossa identidade, as linhas de nossa personagem material salpicadas pela personalidade cósmica que somos. Há e haverá sempre, em nosso rumo, Sol, Chuva, Tempestade e Bonança – por todos eles realizaremos nossa travessia, assim com o fizemos no passado, seguros à verdade que nos compõe. Poder-se-ão passar dez, vinte, trinta ou cinquenta anos, não importa… O que representa o tempo para as Consciências Universais que detemos? Um mero grão azul num extenso areal dourado…

Fechei o álbum e murmurei: «No Passado reside a lembrança, no Futuro a nossa esperança; mas, no Presente, sublime e imbatível vibra a Existência». E esse é o segredo do Infinito que sempre almejamos tocar. Colectamos tantas flores ao longo de cada passada e várias são aquelas que nos ferem com seus espinhos… Mas os corações falarão sempre a mesma linguagem. A Vida é uma caminhada ganha, jamais perdida.


Pedro Belo Clara.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Dádivas

Todo o Homem possui em si uma luz que gera os seus peculiares efeitos, quando por acções ou por palavras materializada for. No fundo, reside em si uma força facilmente concretizável, se assim o desejar, algo que é sua pertença e que, como tal, poderá ser ofertado – sem jamais empobrecer o seu dador, somente enriquecendo o recebedor. Todos somos caminhantes e, em determinados momentos, todos nós compartilhamos o mesmo troço de estrada ou o mesmo tempo de viagem. E, no seio de tal convivência, quantos de nós não encontram nos pilares fortificados de seus semelhantes, os transmutadores de suas fraquezas, a génese de sua coragem? O Caminho é um lugar de múltiplos efeitos e realizações, sendo uma delas a aprendizagem. Se nos permitirmos aprender com a sabedoria de terceiros, não só estaremos a cultivar e a desenvolver o nosso próprio saber como também nos estaremos a preparar para os tempos vindouros, quando outros, chegada a sua vez, tentarão descobrir em nossa força os motivos do seu fortalecimento (a lapidação de suas fraquezas). Tudo se conjuga, como assim se constata, tudo se remete a um perfeito encaixe entre vários saberes, várias visões. Qual delas a mais perfeita? Qual delas a mais fiel, justa e verdadeira? Bem… Qual é o maior valor de uma orquestra? O solo dos instrumentos ou os refrãos onde, afinados, todos de conjugam e se complementam? Cada Homem possui a sua verdade e somente ele a deverá desenvolver, estudando e aprendendo com as demais.

Somos ou não os faróis uns dos outros? Sem nada querer ou forçar, apenas respeitando e tolerando as díspares formas de contemplar o mesmo horizonte, iluminamos com nossa luz interior (a luz intelectual em harmonia com a luz da Alma) o espaço que nos circunda. E, com o conceder dessas puras dádivas de conhecimento que todo o caminhante possui de forma livre, muitos serão os barcos que, por entre o negrume das noites sombrias, encontrarão a sua forma de regressar à margem. Mesmo assim, é importante lembrar que o farol apenas ilumina, não comanda o barco que, por si só, segue a rota definida no mar turbulento.

No Caminho existem múltiplas oportunidades de nos colocarmos à prova, de nos dedicarmos à realização daquilo que mais almejamos e à aplicação de nossos conhecimentos de viajante. Ao aproveitá-las, estaremos a aceitar o movimento fluido do seu fluxo de ocorrências, contribuindo para a mudança que desejamos ver implementada, aprendendo a ser quem sempre intentámos ser (nós próprios, no fundo – simples e autênticos). Mas valerá fortunas sentimentais toda a dádiva que ofertada seja sem verdadeira vontade, sem verdadeiro sentir? Pergunto: que sabor terá uma refeição preparada sem a mínima dedicação, empenho ou amor à tarefa elaborada? Então, porque o fazemos em tantas ocasiões? Consideramos, no seio de uma tola ilusão, que nossa imagem sai reforçada junto de outros? Porque insistimos em vestir apenas as roupagens dos “filantropos de ocasião”? Mais facilmente alimenta uma boca esfaimada aquele que pouco ou nada tem, do que aquele que promove, nobre e digno, campanhas contra esse flagelo… Jamais farei juízos de valor (quem sou eu para tal?), cada um responde por sua consciência, apenas pretendo sublinhar a espontânea e dedicada atenção ofertada, a dádiva mais pura a ser concedida. Essa sim, é a minha intenção – que possamos partilhar o nosso rico e luminoso interior com os demais irmãos de caminho, honesta e verdadeiramente, sem olhar a quem nem a qualquer porquê. Será que uma árvore escolhe a quem é que dará seus belos frutos? Não. Ela simplesmente cuida de sua oferendas, tornando-as doces e carnudas, até ao momento em que alguém com elas sacie o seu apetite. Em quantas ocasiões, então, assumimos a lição que as árvores nos concedem? É delas a bênção da dádiva, a raiz do vero Amor fraterno, Incondicional, inveterado já naquele que, através de seu pessoal exemplo, se afirma entre caminhantes como um luminoso farol no ermo da margem mais rochosa. Empreendesse-mos todos nós, de formas distintas e igualmente válidas, esse passo, essa direcção, e uma alva e casta manhã, plena de Luz, não tardaria a irromper por entre as Trevas do conformismo e do não conhecimento. No meu mais íntimo silêncio, apenas me deslumbro com a vinda desse sonho…


Pedro Belo Clara.


quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Ausência de Amor

Há algo que polvilha esta nossa vivência de estrada, algo que reside em todos nós, ainda que exíguo, e que se pode reflectir no mais simples e breve do acontecimentos ou actos; algo frágil e de incomensurável beleza, algo tão árduo de manter em harmonioso equilíbrio, algo que, um dia, se plantadas e cuidadas forem as suas sementes, eclodirá na mais magnífica das flores – o Amor. Ao cogitar e escrever sobre sua peculiar condição, evoco a sua ausência e as múltiplas ocasiões em que tal se verifica, bem como as consequências de tal aspecto. Como somos jovens e imaturos, em termos de consciência, e como estamos ainda a aprender as artes deste sublime sentimento… Todo o Caminho é um palco de aprendizagem e de ensinamento, mas quantos conflitos não já se geraram pelo Amor se encontrar extinto ou banido das vidas daqueles que os incentivaram? Quanta ira, ódio reprimido ou angústia, existirá nos corações de quem se fechou ou de quem nunca tocou no semblante do Amor?

Quanto mais nos embrenhamos no extenso labirinto que percorremos diariamente, mais compreendemos que nesse sentir habitam as respostas às mais incessantes questões, e que a sua revelação implode dos antros do pensamento somente no instante mais propício. Muitos de nós, por nunca o termos recebido (resultado, talvez, das singulares experiências de quem caminha), não sabemos como o ofertar; assim, limitamo-nos a repetir padrões de comportamento antigos, dos quais fomos, em tempos, uma parte integrante. E fazemo-lo pois, para a nossa subliminar percepção, eles são a imagem do Amor – a sua escassez ou total ausência cria, paradoxalmente, uma imagem daquilo que ele é, sob nosso julgamento. Então, revelamo-nos agressivos, indiferentes, soberbos, ríspidos, gélidos como uma pedra isolada, rabugentos e avarentos, apenas porque esses foram os exemplos dados, aqueles com os quais crescemos e vimos impressos naqueles que de nós cuidavam. Como quebrar, então, todo este circular processo? É possível que o Amor medre numa árida terra, aquela que nunca o recebeu?

Invertendo a corrente do pensamento, isto é, dando a terceiros aquilo que gostaríamos que fosse (ou tivesse sido) dado a nós próprios, mas que, por diversos motivos, nos foi vedado, estaremos a sair de uma roda imensa que gira sem cessar; alteramos frequências com novos e corajosos actos e, assim, consolidamos a nossa transmutação. No fundo, esta empresa até se revela simples de realizar. Talvez aí resida o seu maior segredo… Quantos não considerarão o Amor complexo? Mas não bastará um simples beijo, uma sincera carícia, um fraterno abraço, uma sentida celebração, um sorriso prazenteiro ou uma doce palavra de conforto ou apoio, para o Amor fluir e se materializar em quem decide permitir a sua entrada? Se formos audazes o suficiente para rasgarmos esses padrões velhos que apenas nos aprisionam, não só iremos sarar as feridas deixadas pelas passadas experiências, como também permitir que quem nos rodeia conheça um dos inúmeros rostos do Amor, apenas visto sob a nossa pessoal perspectiva. Quem simplesmente prosseguir nesse fluxo de comportamentos, acomodar-se-á e resignar-se-á perante aquilo que sempre existiu em si e que apenas requeria um breve polimento para refulgir com todo o seu esplendor.

O Amor existe em cada oportunidade que nos é concedida, mas o primeiro passo de aprendizagem terá de ser por nós esboçado. É claro que um indivíduo apenas se modifica se assim o desejar, por mais incessantes que possam vir a ser os pedidos daqueles que lhe serão queridos, mas todo o companheiro poderá auxiliar o seu semelhante a ser um melhor caminhante, seja qual for o laço que os una (familiar ou amigável). A ausência do Amor já fez germinar tanta amargura em todo o percurso que nós, Homens, temos construído… Ideias pré-concebidas, diálogos nunca expostos, agressões impulsivas… Tudo partilha a mesma origem. Mas existem diversas formas de Amor e de o fazer expressar. Que possamos escolher a nossa e cumprir a tarefa pessoal que nos cabe, pois é hora de alterar o fluxo deste rio e deixar crescer em nosso âmago a força que tudo transforma, que tudo constrói. E que tenhamos a coragem e a necessária humildade de nos dirigirmos a nossos companheiros de viagem e de lhes pedirmos lições sobre como amar, sobre como poderemos ser melhores amigos, irmãos, filhos, netos, pais e até avós! Possuímos as sementes, meus irmãos, elas estão em nossas mãos e, juntos, poderemos cultivar o mais deslumbrante dos jardins que a nossa sociedade já contemplou. Toda a mudança poderá ser implementada, se for primeiro implementada dentro de nós. Abram os vossos corações ao mundo e espalhem as sementes que possuem guardadas em vossos alforges! Assim, terá sido lançada a primeira de todas as pedras que sustentarão os edifícios da Nova Cidade.


Pedro Belo Clara.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A Derradeira Viagem

Nesta existência de Caminho, múltiplos são os viajantes que deixam em nós a sua marca, o seu indelével e íntimo perfume, ainda que as futuras ocorrências de nossos percursos não mais se entrecruzem. Mas, residirão sempre em nosso ser as memórias de tudo o que foi vivido e compartilhado, algo que nos auxiliará a evocar a magia do vento que soprava naqueles tempos idos. E mesmo as recordações mais amargas, caso nos disponibilizemos ao perdão, irão adquirir, com o tempo e a distância, um sabor muito mais doce – uma ampla compreensão dos acontecimentos permitirá isso mesmo. No entanto, mais cedo ou mais tarde, sabemos que irá eclodir a hora em que tais indivíduos, estando ou não fisicamente mais próximos de nós (pois tal não é realmente significativo), partirão até terras distantes, paragens longínquas a toda a material percepção, empreendendo, por fim, a mais arrojada de todas as suas viagens, aquela que, por curiosa constatação, será igualmente derradeira (pelo menos, durante uma específica fracção de tempo). Este acontecimento é deveras inevitável, e todos aqueles que um dia decidiram realizar a tamanha empresa, sabiam de antemão que chegaria à hora em que suas presenças iriam ser reclamadas por seu lar, o seu verdadeiro lar.

Mesmo assim, o apartamento de tais figuras, aquando de sua ida, será sempre sentido por aqueles que, de uma forma ou de outra, revelaram o seu mais sincero amor para com elas, quer tenha sido através de um gesto, um beijo, um sorriso ou numa breve palavra. Por mais conhecimento ou sabedoria que um Homem possa possuir, tal facto verifica-se em pleno. E um apertado sentimento tarda em se amenizar. Todos nós, no fundo, já “perdemos” alguém que nos era imensamente querido e sentimos o peso do vazio que tal ausência nos legou. Um maior ou menor conforto poderá assistir-nos em momentos assim, dependendo das crenças com que cada viajante se muna, mas, mesmo sabendo que tão caro companheiro se encontra tranquilo e seguro em um qualquer outro lugar, nunca deixamos de sentir um estranho pulsar que nos assoma o coração e que, como lágrimas emudecidas, escorre pelo rosto da resignada aceitação. Nessas alturas, sentimos que o mais proveitoso dos saberes se priva de seu valor. Na realidade, só quem não caminha, só quem não ama ou vive é que poderá verdadeiramente afirmar que jamais um resquício de tal sentir o conquistou.

Em meu considerar, caros irmãos caminhantes, essas tão amadas figuras apenas partiram para longe nós, realizaram a sua “derradeira viagem”, e, nos verdes prados onde se recostam, aguardam a vez em que também nós auscultaremos o apelo da última das aventuras terrenas. Não me dói, sinceramente, a incerteza, tampouco a dúvida de seu bem-estar, apenas uma ilusória ausência de seus gestos, carinhos, discursos, olhares, sorrisos e pensamentos. E digo ilusória pois, no fundo, eles viverão sempre em nós; fazem parte de nós, povoam nossas memórias e são a génese de nossa força, coragem e motivação, aquela com que cultivamos o mais terno de nossos sonhos. Será que, considerando tudo isto, “perdemos” de facto alguém? Não. Nada perdemos, apenas ganhamos. Por todas essas vivências partilhadas, ganhamos sempre um pai, uma mãe, um avô, uma avó, irmão, irmã, amigo ou amiga, autênticos companheiros de Caminho. De todos aqueles que hoje se reconfortam em verdes prados e que, num certo dia iluminado ou chuvoso, conheci, trago em mim suas recordações, evocando-os em meus pensamentos e honrando-os com minhas acções.

A vida é feita de etapas e se nos dispusermos a tal ultrapassá-las-emos. Teremos sempre a nossa treva, mas não deixaremos de sonhar com o nosso amanhecer apenas porque o dia se apresenta mais sombrio. Eles realizam a sua viagem, mas nós, aqueles que os amam, somos colocados perante as provas de um novo processo de desenvolvimento pessoal. Inevitavelmente, se decidirmos avançar no nosso trilho, há algo que se transmuta em nós. E na nova manha que, por fim, surgirá, seremos seres renovados, com o brilho de todas as anteriores experiências a fazer-se sentir da forma mais resplandecente. Teremos feridas, teremos virtudes, mas seremos caminhantes que dignamente empunham o estandarte do Universal Amor. Afinal, amámos e fomos amados. Existe bênção maior que essa?


Pedro Belo Clara.