terça-feira, 26 de abril de 2011

Gratidão

Em cada etapa do Caminho, existe uma palavra que deverá (se assim o permitirmos) residir no mais suave dos murmúrios emitidos por nossos lábios: gratidão. Mas, ao contrário do que parece ser senso comum, ela nem sempre é compreendida na sua totalidade; na maior parte das ocasiões ou experiências de vida, só o é quando verdadeiramente provamos o mel que dela provém. A ideia idealizada e a ideia concretizada, ou seja, vivida, são dois aspectos bastante distintos: podemos continuar pelo nosso rumo definido e esperar que, a qualquer momento, ela se anuncie ou, ao invés, aplicarmos o seu conteúdo na nossa existência, permitindo que sua luz alumie os recantos mais sombrios de nós mesmos. Por outras palavras, em vez de aguardarmos pela manifestação de qualquer valor em nossos processos de vida, podemos iniciar uma busca que nos trará uma nova visão, elemento esse que nos fará compreender os aspectos vivenciais onde o referido valor reside. Seja qual for o caminho escolhido, os obstáculos a enfrentar, as preocupações a dissipar ou as dúvidas a esclarecer, é possível assumir uma postura de gratidão por tudo aquilo que nos rodeia e que prolifera pelas fronteiras da nossa experiência de vida. Se perscrutamos atentamente o nosso horizonte veremos que, a cada dia, somos prendados com dádivas imensas, das mais simples às mais complexas, mas todas com a potencialidade de nos proporcionar o mesmo sentido de satisfação e plenitude. Mas quantos de nós, ao despertar para o início de um novo dia, se recordam das razões da sua gratidão? Infelizmente, muito poucos. Ao analisarmos a nossa vida de uma forma profunda, certamente que nos depararemos com diversos “potenciais de gratidão”: o rejúbilo e a celebração do amor entre os nossos familiares, as nossas fiéis amizades e os trabalhos realizados com uma sincera paixão são um perfeito exemplo disso mesmo. E o sorriso de felicidade estampado no rosto de nossos filhos? E o brilho no sereno olhar da companheira ou do companheiro que tanto amamos? E o chilrear dos livres pássaros, a suave brisa marítima, os dias de Sol invicto? São essas simples coisas, ou melhor, bênçãos, que nos fazem sentir realmente ricos, preenchendo as nossas existências da mais bela substância, ao mesmo que tempo que nos concedem um engrandecimento e uma iluminação interior mais forte e consistente. Assim sendo, repito a pergunta: não teremos todos nós, cada um na sua forma mais peculiar, motivos para nos sentirmos gratos? Por mais escura que se apresente a estrada, é importante não esquecer este pequeno traço de luz que, a cada momento, cintila e implora pela nossa atenção. Mas se, no entanto, ainda houver algum caminhante que não se sinta dono de tais motivos de gratidão, eu evoco o mais antigo dos ciclos deste mundo: o render da noite pelo dia. Em cada manhã, um novo dia irrompe pelo horizonte, sucedendo ao anterior e levando consigo todos os resíduos já extintos. Será que compreendemos o que aqui reside? As inúmeras oportunidades que, se formos corajosos o suficiente para sermos e nos sentirmos livres, vibram na promessa de uma nova manhã? Cada Homem, por mais perdido que se possa encontrar ou por mais imerso que esteja na sua ilusão, possui no mínimo uma bênção diária, compreendida na oportunidade de realizar hoje aquilo que ontem fora adiado, o que perfaz um total de 365 bênçãos num ano só, e as nossas existências são muito mais longas do que isso. Não será essa uma razão mais que suficiente para entendermos o que nos rodeia e para, finalmente, deixarmos que a gratidão flua por nós? Nós somos verdadeiramente abençoados, em cada hora e em cada dia, mas continuamos a ignorar esse facto. Este é um ponto deveras primordial, a solução que derrubará muitas linhas impostas e tidas como intransponíveis. Todos nós, caminhantes, possuímos as bênçãos das nossas existências multifacetadas, mas a busca e a compreensão dos motivos de gratidão é uma tarefa que somente cada um de nós poderá levar a bom porto.

Pedro Belo Clara.