O caminho não é uma via única. Não poderá ser falado, escrito e entendido com exactidão lógica, somente experienciado. Sendo tudo, nada é. Quem o trilha saberá que caminho e viajante são uma coisa só.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
Lançamento do livro "Palavras de Luz"
Queridos amigos e seguidores,
Foi com um enorme prazer que no passado dia 30 de Novembro, pelas 19h, lancei ao público o meu terceiro livro (o primeiro fora do género poético), de nome "Palavras de Luz".
A todos os presentes, mas sem olvidar os ausentes, o meu agradecimento pela partilha dos momentos de amizade e companheirismo que, durante o evento, tivemos oportunidade de desfrutar.
Caso queiram saber mais informações sobre a obra em questão, ou eventualmente adquiri-la, poderão consultar o seguinte link: http://www.chiadoeditora.com/index.php?page=shop.product_details&flypage=flypage.tpl&product_id=916&category_id=15&option=com_virtuemart&Itemid=171
Um forte abraço e até breve.
Pedro Belo Clara.
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
ALVAS FLORES EM NEGROS CABELOS
Bem que poderia ser mais uma bela tarde de Outono que sobre
aquele amplo jardim se instalava, com as alamedas de tombadas folhas na fresca
relva, os voos errantes de algumas apressadas aves, os pequenos – mas
preenchidos – bancos de madeira e a luz de um sol que acalentava os mais
pálidos rostos. De certa forma, até o foi. Mas, subitamente, entre cafés,
serenas conversas e silenciosas leituras, um estranho cântico irrompeu. Todos
os que presenciavam esse inesperado fenómeno de pronto desviaram o olhar de
suas tarefas, sondando a origem de tal coisa. Para muitos, era já familiar;
para outros, desconhecida e… efectivamente estranha. No meu caso particular,
confesso a familiaridade com a mesma. Eis, então, docemente invadindo aquele
espaço, uma mulher cantarolando uma incógnita canção (pergunto-me até se não a
teria inventado mesmo ali) com alvas flores em seus negros cabelos. Muitos,
desde logo, elaboraram seus diagnósticos e assinaram as suas íntimas conclusões
e julgamentos, pois apenas a existência de problemas psicológicos – e graves! –
justificariam tal comportamento. Outros, reconhecendo-a, lamentavam a sorte de
tal figura – sem conseguirem reter alguns breves comentários sobre a
indumentária da jovial cantora, que por certo seria um alvo da miseração
alheia.
Mas, tendo avançado já um pouco no relato de tal episódio, creio
dever ao leitor o seguinte esclarecimento: embora o nome da referida mulher me
seja completamente oculto, bem como o local de seu abrigo (que imagino e até
desejo que confortável seja), é verdade que meus olhos facilmente a reconhecem
quando tropeçam em sua figura. Diria que todo o bairro tem as suas peculiares
personagens – e em diversas deambulações pelas ruas que formam o meu me cruzei
com tal presença. Como tal, não poderia estranhar tal comportamento; não, tendo
já testemunhado o que as suas declaradas peculiaridades podem proporcionar:
lábios forte e desordenadamente pintados, fitas coloridas no cabelo, a hábil
arte de encontrar cigarros abandonados, diálogos aos quatro ventos ou o
mastigar de uma complexa ideia entre imperceptíveis sussurros.
Aquela improvisada plateia, célere retomou os seus urgentes
afazeres sob pena de envenenar um tão aprazível lazer. Mas ela, solta e
inocente, continuava com o seu peculiar e improvisado flamengo (sim, creio
agora ser esse o estilo mais adequado) junto de um canteiro de flores. Mirei-a
por um pouco mais. Sorri. Poderão terceiros considerá-la louca (convenhamos que
era a definição que até aqui tentava evitar) e compadecer-se por sua lamentável
condição, mas… terão eles visto o vigor de sua dança? Um certo brilho em seu
rosto marcado? O quão concentrada e rejubilante estava no seio de sua estranha
e árdua tarefa? Oh, quantos de nós não almejam alcançar tal fórmula? A da
felicidade expressa em cada coisa feita? Em cada pulsar de um coração que vive?
E ali estava a resposta: tão singular, tão natural, tão estranhamente certa…
Cada boca dirá o que mais lhe aprouver e convier, está claro, mas esta renegada
princesa, excomungada de algum conto de fada esquecido, encontrava-se veramente
feliz na ilusão do seu mundo tão magnificamente criado, onde apenas residem as
personagens que ela própria escolhe e define. Sim, talvez seja insana… E talvez
tal sentimento se esfumasse em breves momentos, consequência de uma existência
delineada entre dois extremos tão distantes, tão dolorosamente instáveis. Mas,
naquele instante, naquele preciso instante, ela era feliz – por mais efémero
que tal estado possa efectivamente ser. E poderemos nós, aqueles que tanto
buscam o mesmo efeito que a assomou, veramente recriminá-la por isso?
Pedro Belo Clara.
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
A EXPERIÊNCIA DO SENTIR
As vias que moldam a nossa existência, filhas de um rumo maior –
em suma, os corredores que atravessamos ao longo do nosso limitado tempo, onde
damos e recebemos, transmutando os diversos estados que nos assomam –, são
pródigas em particularidades deveras interessantes. Pelo menos, de uma posição
imparcial, entender-se-á o que mais fomenta a nossa curiosidade. Existe, de
certa forma, um conjunto de parâmetros que as regem, numa espécie de “liberdade
adaptável”. E todo o olhar que se perder em serena contemplação entenderá tal
característica, que sempre assume a forma de hipótese – isto é, um potencial a
ser trabalhado. Além disso, ao longo dessas mesmas vias, demoram-se ocorrências
passíveis de serem concretizadas: situações portadoras de novos encontros,
aprendizagens, ensinamentos, expiações, entre muitos, muitos outros. No fundo,
cada evento comporta em si algo; e nada se perde, na realidade, se o manancial
que nos é ofertado for efectivamente aceite e direccionado.
Aquilo que se depreende das palavras aqui expostas é o carácter
experimental da Vida em si, habitual presença nas veredas que trilhamos passo
após passo. Tal aspecto complementa-se, assim, na espantosa multiplicidade que
o Caminho nos oferece no seio de sua diversidade. Afinal, em sua génese, é um
valioso “palco de experiências”. E percorrê-lo não significa apenas entendê-lo,
mas igualmente vivê-lo e experimentá-lo sob os diversos ângulos e vertentes que
o compõem, mesmo que estas possam ser aparentemente contraditórias. Assim,
ainda que se desconheçam as razões que nos movem, estaremos a cumprir
propósitos ocultos e a escrever uma história (a nossa) que implorava ser
escrita. Mas significará isso a total experiência? Um livre arbítrio desmedido?
Se entendermos a Vida, depreenderemos o frágil equilíbrio que a sustém. A
resposta jamais residirá em extremos ambíguos; antes numa harmoniosa conjugação
de todos os elementos. E, muitas vezes, para tal ser alcançado, bastará
empreender a primordial de todas as tarefas: caminhar, apenas caminhar.
Trilharemos o nosso íntimo percurso, teremos a hipótese de
plantar nossas sementes e de saborear os frutos que criámos e aqueles que por
mão alheia foram criados, marcando sempre novas etapas e o consequente granjear
de sabedoria de vivência (e não só), no delinear de nossa particular evolução. Mas
a experiência maior, a inexorável condição a tudo anexada, é o “sentir”. Que
maior condimento da experimentação que o sentimento? É ele que nos impulsiona o
riso, o choro, o amor, a dor, a paixão, a empatia… Como esquecer tais básicos
elementos? Como sequer imaginar uma existência sem eles? Mais do que qualquer
outra coisa, a nossa experiência pelos domínios da matéria, como seres
espirituais que somos, vale por esse inestimável componente. Facilitar-nos-á
ele a nossa vivência? Nem sempre, é um facto. Mas, o que seria ela se
desprovida estivesse de tais aromas que tão bem a distinguem e caracterizam?
Embora muitos de nós, imersos em suas feridas e desilusões, rejeitem o amor
apenas por temerem a dor, a experiência do sentir é deveras singular e
apresenta-se como um importante desafio à nossa interna desenvoltura. Sim, é
uma água que tanto sacia como pode envenenar… Mas temerá a morte aquele que
conhece a arte da ressurreição?
É uma provação; mas, por outro lado, um aprazível desfrutar. E
aceitar a plenitude da Vida é abrir os braços a todo o porvir e, munido de
crenças e acumulada sabedoria, abraçar os ventos do amanhã. Assim, queridos
caminhantes, viveremos! É claro que obteremos nossas feridas, dores e lágrimas…
Mas viveremos! Sem olvidar o livre arbítrio que nos cabe em direito, cientes de
que a transcendentalidade é deveras possível num evoluído estado consciencioso.
Experiênciamos e, com isso, adquirimos uma peculiar sabedoria. Que bandeira
mais vibrante do que essa poderá ser desfraldada? Mas não como quem exalta o
que possui, antes valoriza o que detém. Só ela nos concederá acesso a novos
níveis de consciência, nos fará erguer o olhar e descobrir novos horizontes e
estrelas. Que propósito poderá aqui ser colocado senão esse? O experimentar, a
aprendizagem e consequente evolução?
Quem caminha é, por certo, movido por um desejo de horizonte.
Renovado a cada instante, sendo aquilo que é, aceita e compreende. No entanto,
demoramo-nos de igual forma por trilhos ilusórios. O que vemos e tocamos não
passa de uma ilusão, de uma mera projecção de algo superior aqui toscamente
reproduzido. Vivemos este sonho na densidade da matéria, onde tudo regista um
ciclo, uma regra solta, uma constante dualidade. No entanto, vivemos também a
experiência do sentir; mesmo que aqui, como reflexos num lago, pululem
projecções de ideias e ideais. Agora, entendemos os limites de tal aspecto:
aquilo que vivênciamos é uma experiência controlada, e não absolutamente plena
(é a referida projecção de algo de superior). Podemos pensar da Felicidade ou
na Liberdade como ideias absolutas, mas o absoluto não se reproduz na dualidade
– paira para além das muralhas desse castelo entre as nuvens, no local onde
tantas vezes desejaríamos estar. Mas essa é mais uma condição básica que rege
esta singular experiência. E tudo o que aqui é possível, apenas o é neste local
– são as condições necessárias ao nosso desenvolvimento individual.
Toda a viagem termina, é certo, não sem antes uma outra se
iniciar, por sua vez, num outro tempo e
lugar. Mas, antes de se concretizar tal premissa, com tudo o que de sacro e
único os rodeia, é-nos ofertada a hipótese de viver, de semear e colher,
ensinar e aprender. E assim iremos traçando novas rotas e perseverar no nosso
objectivo mais primordial – apenas isso –, focados na imensa dádiva que o
presente momento constitui. Somente até que um outro sol acabe por irromper no
horizonte e um súbito vento chamar por nós.
Pedro Belo Clara.
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
EVOLUÇÃO
Ao apresentar o seu carácter circular, compreendemos que na Vida
tudo se sucede e é sucedido. O fluxo é constante e não cessa; é um rio que, ao
seu próprio ritmo, corre para os braços do mar que o espera. E, nele, se assim
permitirmos, fluiremos nós, viajantes por íntima natureza, caminhantes neste
longo Caminho que nos recebe. Mas, como em tantas outras ocasiões vos falei,
esta premissa assenta sobre uma decisão individual, uma postura perante as
situações ocorrentes. No fundo, será a partir daí que nossa visão se formará e
se reproduzirá. Não existe, obviamente, um «certo» ou «errado», apenas visões
compreendidas em diferentes ângulos de absorção que, unidas, recriarão a
completa imagem que sempre nos escapa.
Neste percurso de conquistas, ambições e planeamento de
objectivos, se efectivamente o considerarmos como tal, onde poderá residir o
espaço para os nossos desejos? Deveremos sequer possui-los? Ou simplesmente
celebrar a Vida pelo singular milagre que ela é? De novo sublinho: todos esses
aspectos são frutos de uma pessoal visão; e, aqui, por minha vez, apenas vos
poderei apresentar a minha. Porque múltiplos são os frutos que vos vão sendo
ofertados, cabe a vós mesmos saber quais saciam, de forma mais completa, a
vossa pulsante fome. A seu tempo, se guardarem tais sementes, tornar-se-ão cultivadores.
E, por vossa vez, estarão a ofertar a terceiros os frutos que com o devido amor
fizeram medrar. No entanto, é importante compreender que, fluindo com a Vida,
entendendo os seus pressupostos maiores, germinará em nosso âmago uma sólida
âncora: a Fé – esteja ela assente naquilo que estiver. Assim, fortifica-se a
certeza – origem de uma serena tranquilidade – de que nos encontramos, presentemente,
no exacto local onde deveremos estar, desempenhando a função ou tarefa que nos
cabe, por ora, desempenhar. Se mergulharmos bem fundo em nossa consciência,
adquiriremos tal sensibilidade, tão popularmente traduzida por “seguir a voz do
coração”.
Poderemos, é certo, receber inúmeras frustrações se perseverarmos
em nossos supostos desejos, objectivos ou ambições. Especialmente se moroso for
o seu processo de materialização ou, por outro lado, constante a derrota na
batalha pela sua concretização – mas tudo constitui motivo de aprendizagem e
crescimento. No entanto, se sentirmos esse fogo em nós, como algo que vero arde
e implora por se realizar, pelo bem próprio e de terceiros, não serão os árduos
e insistentes obstáculos que nos farão encerrar tal demanda, tampouco abdicar
de todo o bem que poderia vir a ser alcançado. Acima de tudo, fluir… Pois
existem inúmeras variantes que efectivamente não controlamos. E a dor advirá de
um apego exacerbado a certos elementos e circunstâncias, bem como das
expectativas que poderão vir a ser formuladas. Por isso, é importante saber
dosear cada impulso, cada actuação. Mais cedo ou mais tarde, continuando a
pisar tal dúbio terreno, surgirão as ilusões que, inevitavelmente, se quebrarão
com o devido estrondo e dolorosas consequências. Com a devida maturidade, granjeada
ao longo de várias etapas vencidas, saberemos entender que todo o fruto que por
nossa mão deverá ser colhido, sê-lo-á no devido tempo. Ganharemos essa certeza
crendo na «Força que tudo rege», aquela que tão levemente intuímos e sentimos
em cada passada. Além disso, um novo dia trará sempre até às nossas margens a
sua eterna promessa, tão sólida quanto as bênçãos que nos serão reservadas.
De facto, num turbilhão de pensamentos e vontades difusas,
tornamo-nos exigentes, obstinados requerentes que anseiam por algo que venha
até eles, oriundo de esferas superiores. E olvidamos, assim, os milagres que se
desenrolam, a cada instante, em torno de nós. Por mirarmos as estrelas em
demasia, esquecemo-nos da beleza dos montes e das planícies… Existe um tempo de
plantação e de colheita, e é importante entender e aceitar tal premissa. Se
sentirmos necessidade, olharemos bem no fundo de nós próprios, avaliando cada
situação com o devido cuidado, requeira ela de nós gestos activos ou passivos.
Não é somente por nossa intervenção que um fruto amadurece; contudo, poderemos
prover as condições para que tal se suceda. Mas, seja através da intervenção
directa, indirecta ou nenhuma até, o crucial aspecto que sobressai, adquirindo
sóbrio relevo, é o compreender do tempo de cada coisa. Por outras palavras,
definidas na simplicidade: se a hora for a certa, que seja; caso contrário,
aguardaremos, pacientemente, a sua chegada (pois nenhum Inverno é eterno).
Na verdade, todos estes aspectos e ponderações se apresentam
como uma óptima plataforma de desenvolvimento do que hoje nós somos,
auxiliando-nos a imergir na nossa mais recôndita verdade. Assim, conhecemos e
estudamos a fibra que nos compõe. São as diversas situações que nos interpelam
o rumo que revelam aquilo que somos, através das atitudes e comportamentos que
em nós despertam, ainda que inconscientemente. Um Homem sábio saberá, contudo,
prever, dentro de suas limitações, preparando-se assim para o provir. No fundo,
fá-lo por possuir o olhar erguido, ao contrário dos restantes que, tão ocupados
nos detalhes do solo que pisam, olvidam o horizonte. Seja como for, tais
ocorrências apenas fortificam as nossas crenças, abanam fundições (o melhor
método para repensar certezas e definições) e fazem emergir a nossa realidade.
E não existem aqui meras “vítimas das consequências”; as coisas são o que são –
se nos surpreendemos, então é porque apenas detínhamos uma ideia ou
consideração errada sobre tal.
Há que aceitar, por mais que o neguemos, a verdade que se nos
anuncia, pois só assim é que de novo fluiremos, permitindo o crescimento do
nosso ser em constante evolução, tal como da sociedade que nos integra – ou não
fosse ela própria, como coisa geral que é, reflexo do particular. Em suma, eis
a definitiva conclusão: são meios de proporção e de consolidação da nossa
particular evolução. Assim, compreendemos a utilidade dos espinhos que abrandam
o nosso ritmo e flagelam o nosso ser. Aceitá-los, é escutar aquilo que têm a
nos transmitir; seguir tais directrizes, é abraçar a nossa própria evolução.
Seremos elevamos se nisso persistirmos, com a tenacidade de um felino e a
brandura de uma pomba. Então, livres por fim, testemunharemos o término de
todos os ciclos no anunciar da tão esperada e sempre ínclita eternidade.
Pedro Belo Clara.
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
REENCONTROS
Por
uma só existência, ao longo do percurso, variados rostos atravessam os corredores
da sua vivência – de forma passageira ou não –, deixando sempre impressa a sua
indelével marca. Assim, e de uma certa forma, por mais breve que seja o contacto,
tais rostos nunca a abandonarão, pois irão permanecer em seus pensamentos,
memórias e coração, no especial recanto destinado às coisas mais estimadas e
preciosas. Na verdade, para causarem um significativo impacto não necessitam de
muito tempo ou de inúmeras palavras… O gesto, por vezes, perdura bem para além
de tudo isso, como uma estrela que cintila no vasto firmamento da mais terna
recordação.
Mas
serão tais encontros meramente aleatórios? Apenas se acreditarmos num aleatório
regimento de toda a existência… Há algo a retirar de cada um deles, em específicos
momentos e circunstâncias: aprendizagens, um saldar de antigas dívidas, um
relembrar crucial, um apoio, uma força, entre outros exemplos; mas cada um à
sua peculiar maneira e forma. É claro que o inverso é aqui igualmente válido;
ou seja, existem momentos em que nós próprios assumimos tal posição, a de
passageira (ou não) presença em existências alheias. Tanto quanto eles para nós
serão âncoras, resgates ou meios de libertação, também nós o poderemos ser para
eles mesmos. No fundo, tudo se conecta e interliga – e todos nós, caminhantes,
nos encontramos conectados e interligados uns aos outros, por mais que o venhamos
a ignorar.
Essa
é, indubitavelmente, uma das mais belas virtudes da vida (ou característica, se
preferirem). Obviamente, quem permanece atento e consciente não corre o risco
de perder um comboio que se aproxima lentamente da estação. Assim, conseguirá,
por certo, reter e desfrutar de todo o proveito que tal acontecimento lhe
poderá proporcionar. Desfrutemos, então! Pois tais encontros são deveras únicos
e especiais; estimemo-los, cientes de que de nada somos donos ou senhores. Os
abençoados são aqueles que em concha abrem suas mãos para receber a dádiva
sagrada que lhes for ofertada, aquela que com seus cálices será saboreada e
partilhada – e não quem ostentar pretensões de a deter, controlar ou encarcerar.
As preciosas coisas mantêm o seu singelo brilho se forem deixadas livres e
soltas, conservando a sua independência e valor – pois essas são as achas do
seu tão peculiar refulgir.
Há,
então, algo de veramente significativo a receber e a ofertar em tais encontros,
resumam-se eles as breves instantes ou a toda uma existência. E certo estou de
que, se agora mesmo abríssemos o nosso baú de recordações, seríamos capazes de
evocar exemplos que corroborariam esta ideia, fossem eles oriundos de um
passado tão antigo que a própria memória já dele se despojou – embora o perfume
das essências, de tão forte que é, nunca se extinga – ou o resultado de um
reencontro em efémero momento. Mas a importância e profundidade dos mesmos,
nestas tão especiais ocasiões, estende-se para além da nossa limitada
percepção. Uma semente é deixada a medrar, tanto em nós como nos indivíduos que
emocionalmente nos tocam ou por nós são tocados, pelo que o aroma dessa singela
flor perdurará sempre nos corações envolvidos. E daí apenas aflorarão sentidos
sorrisos.
No
entanto, é verdade que a dor constitui uma integrante parte neste processo.
Afinal, reencontros sempre despertam em nós algo de adormecido, amáveis
recordações ou antigas amizades, mas igualmente perdas emocionais, roturas e
afastamentos. São velhas feridas que se avivam ao tocadas serem. Embora todo o
viajante que se consciencialize e se disponibilize a transmutar tais padrões,
não mais úteis à sua presente evolução, entenda que as dores de outrora deverão
ser definitivamente curadas – mesmo que a sua marca nunca desvaneça. Não pode
haver lugar, num presente de esplendor, para um passado por demais consumido.
Caso contrário, como desejar que o futuro seja brilhante como o sol que nos
afaga o rosto? Antigos padrões devem cessar a sua repetição, sob pena de
cometermos os mesmos erros, de sentirmos as mesmas perdas e amarguras. Ainda
que seja árduo, quando nos olhares do nosso semelhante evocamos todo o bem que
foi vivido num outrora. Contudo, o Caminho percorre-se de olhos postos no
horizonte onde o alvor se anuncia, não naquele onde o sol já se pôs.
Não
refiro aqui um completo afastamento ou ruptura da relação em causa – somente se
ambos sentirem que tal decisão é a mais acertada, uma vez que a dor, de tão
forte, sempre impossibilita certas coabitações. O ponto principal é a tomada de
consciência: velhas roupagens não mais servem o seu propósito. Certos sentires,
ideias ou até sonhos poderão, à nossa limitada percepção, parecerem perfeitos,
tão certos e belos, mas, na presente vida, mediante outras circunstâncias e
ocorrências, não constituem o melhor para os indivíduos envolvidos e para a sua
necessária evolução. Então, que se saldem as dívidas remanescentes e que os
corações possuam a bravura necessária para continuar, para firmar a conclusão
de toda a pendência em causa. É árduo libertarmo-nos de algo assim,
convenhamos… Mas, por amor àqueles que outrora tanto amámos, e que nunca
deixarão de nos serem caros, tal urge ser realizado. Em nome da nossa e da sua
pessoal evolução, certos pesos deverão ser largados, certos assuntos
concluídos, querelas resolvidas e vivências enterradas (mesmo que ainda
esgravatemos, de quando em vez, o local do seu enterro).
Assim,
libertos, cumpriremos finalmente o que agora deve ser cumprido. Antigas
relações de nada valem para novos desafios… Principalmente quando as realidades
foram já efectivamente alteradas e em nada se assemelham ao que, um dia, foi
partilhado ou vivido. A Vida é um ciclo, e com ela tudo muda. Embora tal não
signifique expressamente a morte do sentimento que nos une a tais pessoas. Como
antes referi, não se trata de uma ruptura abrupta ou de uma despedida eterna –
antes, de um «até breve». De facto, novos desafios e vivências requerem outras
presenças, aquelas que realmente mais nos poderão auxiliar em nossas presentes
etapas e vice-versa – pois tudo é uma força que flúi num duplo sentido: dar e
receber. É, por isso, importante compreender e saber aceitar as novas
desenvolturas, bem como a acção que importa ser implementada (não olvidando o
facto de que, primeiramente, ela começa em nós), tanto ao nível da razão como
ao da Alma. Com ou sem a presença da dor, no decorrer de tal processo,
evoluiremos. E, livres, naquele que é o mais puro gesto de um incondicional
amor, rumaremos de novo à Luz que nos aguarda. Aí, nas planícies onde nos
recostaremos, uma vez mais e sem qualquer restrição de ordem material ou
evolutiva, o reencontro se dará. Pois o que é deveras forte, que pulsa no
íntimo mais sincero, nunca se quebra ou permite que o seu brilho cesse. Jamais.
Pedro
Belo Clara.
quarta-feira, 3 de outubro de 2012
INTERIOR E EXTERIOR
Sempre foi um hábito, ao longo da nossa humana história,
buscarmos algo que sentíamos ser superior a nós próprios em locais deveras
distantes. Desde o primo instante em que intuímos a existência (e a presença)
de alegados “Deuses”, assim denominados, esses tais seres frutos de uma
inatingível energia, que nos acostumámos a mirá-los por entre as estrelas. Por os
julgarmos diferentes de nós, divinamente divinos (assim que tal conceito se
instalou em nossas percepções), seres dotados de extraordinários dons, julgámos
necessário colocar tais figuras – ou presenças – em altos pedestais. Assim,
surgiu a devoção, como resultado de um medo incontrolável, de uma ansiosa e
oculta busca, carência declarada ou urgência de crença e de seu conforto. Será,
por certo, complexo definir e apresentar os reais motivos, mas a eles
recorríamos em momentos de necessidade extrema, por eles sacrificámos e
massacrámos, ofertámos dádivas para obter as suas boas graças ou atrair boas fortunas.
Mas, com maior ou menor subjugação, sempre os vimos longe de nós – distantes e…
intangíveis.
Desde então, evoluímos. Ainda que, em certos aspectos, não tanto
assim. Mas a cada Homem se reserva o justo direito de escolher e cultivar as
suas crenças. Atenção que aqui se sublinha apenas o mais básico dos
desenrolares e suas consequências; pois, se entrássemos no campo da religião
propriamente dita, coesa e institucionalizada, por certo haveria muito mais
assunto para debater. Não se foca, por exemplo, a manipulação registada pela
história ou o controlo pelo medo, tão frequentemente manuseados por quem se
afirmava um “representante dos Deuses”. Mas, retomando o assunto que nos
prendia, sem mais demoras importa referir que olvidámos o princípio da dualidade.
Ou seja, os contrários, ao existirem, sucedem-se, completando um todo. Da mesma
forma em que o Pequeno não existe sem o Grande, ou a Morte sem a Vida, também o
Exterior não subsiste sem o Interior. Porquê, então, procurar na distância
aquilo que sempre residiu em nós, ainda que oculto? Os inimagináveis tesouros
que não poderão ser encontrados no coração que nos habita! Esquecemos que somos
filhos das estrelas; que, em nós, refulge a centelha da Luz Eterna, aquela que
sempre entendemos através de diferentes conceitos, vimos através de díspares
prismas e denominámos por distintos nomes.
Tudo o que nos basta, de momento, encontra-se em nosso redor.
Caso contrário, entrando no fluxo da Vida, o Caminho encarregar-se-ia de nos
guiar até outras paragens. Caminhemos, então – e o vento soprará a nossa
presença. Pois, na verdade, as mudanças ocorrem na consciência que está apta a
recebê-las. Será isso uma questão de crença? Indubitavelmente. E ela somente se
fortificará naquele que conhece e se move pelas linhas que compõem o nosso rumo
– conhecê-las e por elas se mover fornece os motivos de tal crença, obviamente.
Mas o mais secreto dos mistérios está em nós. Descobri-lo e apreendê-lo
significa descobrir e apreender o mais secreto dos mistérios do exterior. Os
extremos interligam-se: um não existe sem o outro e ambos complementam-se. No
entanto, somente quanto cultivarmos o nosso fértil terreno é que saberemos respeitar,
entender e admirar o fértil terreno de terceiros, aqueles que se distendem em
redor do nosso. Se sentirmos a harmonia e plenitude em nós, vê-las-emos
reflectidas em cada gesto diário, em cada cenário contemplado – na união da
Vida e de seus belíssimos componentes. Afinal, quando desperta está a
consciência para uma nova realidade, a antiga, aquela que sempre conhecemos,
transmuta-se por completo, como se irradiasse uma novel luz. E quem, então, não
considerará que algo de divino habita em tão singular momento?
Cada ser, sendo aquilo que é, convergindo com todas as coisas
que o circundam, impulsiona, na Alma de quem os contempla, a certeza de
testemunhar algo de tão primordial e natural, mas, em simultâneo, tão certo,
belo, digno e… sagrado. Assumir a condição que nos é reservada é entender a
natureza que nos compõe. Ou, por outras palavras, abraçar a essência que
sabemos ser (não aquilo que os demais olhares consideram que somos). Por isso,
conquista a tua luz, companheiro de viagem, e por ela chegarás às margens de
uma luz maior – aquela que, desde o início da tua jornada, te espera e te busca
pela imensidão dos mundos. Então, as pequenas partes fundir-se-ão, uma vez
mais, no Todo do qual provêem. E o infinito impregnará de eternidade cada
momento, desprovido de espaço e de tempo.
Pedro Belo Clara.
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
O RENASCIMENTO
Já em anteriores publicações abordámos o aspecto cíclico da Vida em si e como este se aplica ao Caminho e a nós, caminhantes. No fundo, todo esse desenrolar é um processo evolutivo: o que perece, renascerá. Esse será, talvez, o aspecto mais básico de toda a existência, a sua mais primordial natureza. Aceitar tal evidência é fluir pelo rio da Vida, entender que sem Inverno nunca haverá um Verão; e aceitar significará transcender, pairar sobre todas as ocorrências e questões como atenta testemunha, caminhar rumo a outros estágios de consciência, em vez de permanecermos grudados a uma dor ou desilusão. Na verdade, somente quem se ilude, previamente, é que se dirá desiludo, de forma posterior. E aquele se ilude é aquele que constrói uma expectativa. Este assunto remete-nos, assim, para um outro: a opção de nada desejar ou esperar; ou, por outras palavras, uma entrega total ao provir. Somos os capitães das nossas embarcações, possuímos leme e bússola; mas, ainda assim, podemos confiar no vento que nos bafeja. Não controlamos o seu sopro, é um facto, e ele sempre se revela presente, com maior ou menor intensidade. Assim, porque não confiar que tal impulso nos levará até bom porto? Mas sempre detemos a opção de pegar no leme e tomar um rumo diferente. Uma vez mais nos deparamos com as diferentes formas de encarar e abraçar a humana existência e sua condição. Em suma, tudo se resume à adopção de diferentes posturas perante algo. E cada um de nós, os caminhantes deste caminho de sol e de lua, acabará por adoptar aquela que mais lhe servir, harmonizando corpo e espírito. Ser a brisa que corre ou a folha que se dobra ao seu passar? Eis a questão que inicia o procedimento de busca e apreendimento.
Contudo, não caiamos em erro: apesar do que foi já dito em espírito de partilha, a dor não é alheia a estes processos. É claro que, por nossa postura, conhecimentos e crenças, poderemos utilizar meios que melhor nos ajudarão a lidar com a presença desse incómodo espinho. No entanto, não a evitaremos. Aliás, querer evitar o sofrimento é querer evitar a própria Vida e todas as múltiplas experiências que ela nos proporciona. Pois este é, a par de muitos outros, seus semelhantes, uma mera consequência das suas peculiares ocorrências. Querer evitar o sofrimento é querer impedir o tombar da chuva ou a chegada de um gélido Inverno. Mas se entendermos que é somente graças à sua presença que os dias de sol chegarão, estaremos a abraçar a Vida em toda a sua plenitude e amplitude. Estaremos a compreender as linhas com que se tece o Caminho de todos nós e a corajosamente aceitar os seus desafios. E, como antes referi, aceitar é transcender.
Na verdade, por mais longa que seja a noite, um novo dia acabará sempre por irromper com todo o seu esplendor. Mesmo que não seja no exacto momento que prevíamos ou desejávamos. Poderemos definir rumos em nossas existências, materializando o fogo que vibra em nossos corações, mas no seio da nossa humildade aceitaremos que certas envolvências não dependem de nossas acções nem estão sob o nosso apertado controlo. Inclusivamente, a nossa liberdade, tanto quanto aqui é possível experiênciar, depende muito de tais questões. Além disso, a fé, nem que esteja apenas assente numa simples premissa, é o amuleto do Homem, a sua bengala, o seu impulso de empreendimento.
No devido tempo, renasceremos. E tomaremos para a nossa essência todo o crescimento e a aprendizagem retida em tal passagem. Não mais seremos os mesmos; antes pequenas luzes cintilando como nunca! Se perscrutarmos as redondezas e atentarmos no funcionamento das mais simples coisas, poderemos tomar o exemplo das árvores de folha caduca: nunca as suas folhar são tão verdes, de uma vibrante e vívida cor, quando são jovens e tenras. Apenas assim se destacam das demais. Depois, é claro, adquirirão tonalidades mais escuras no pleno de sua maturação, equiparando-se às restantes. Mas a maior diferenciação, aquela que de longe mais se faz notar, ocorre na fase do seu maior brilho, intenso e peculiar. Este, não ocorre na fase madura, mas nos instantes que se seguem ao seu renascimento. É aí que elas brilham como nunca mais irão brilhar. Certamente que é árduo abdicar de certas coisas, romper com o antigo ou enterrar sonhos promissores; mas, se não mais nos servem, o seu abandono revela-se crucial à individual evolução. Somente quando o cálice se esvazia, é que poderá ser de novo preenchido.
É nesse tempo turbulento, de dúvidas e agitações, que a mais cintilante das luzes nos habita, como que se fosse uma recompensa pela complexa travessia realizada; uma luz que jamais nos abandonará e que somente ganhará forças quando outras, novas, a ela se juntarem. Assim é toda a existência, assim é o rumo da evolução. Por mais íntimo que seja, certas aspectos são comuns a muitos de nós. Afinal, percorremos as veredas de um só Caminho e, ao contrário do que podemos muitas vezes julgar, não estamos sós. Por isso, quando menos esperarmos, o desejado momento surgirá com a naturalidade de um processo de cultivo – plantação da semente e, na devida estação, colheita do fruto. A paciência é deveras uma virtude, e um proveitoso escudo durante o desenrolar de tais ocorrências. Mas, muito mais que isso, é um sinal de sabedoria. Sendo ela a nossa bandeira, perseveremos – e viveremos para assistir ao nascer desse glorioso e secretamente ansiado dia de concretização.
Pedro Belo Clara.
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
AS 10 PREMISSAS DO AMOR
1) Saber libertar a pessoa amada em prol da sua total felicidade, mesmo que isso compreenda a quebra completa de nosso coração;
2) Saber aceitar cada pormenor mais sombrio da pessoa amada, pois só assim nos revelaremos dignos da sua luz mais pura;
3) Saber dar, incondicionalmente, sem nada exigir em troca. Pois aqueles que se dão, invariavelmente recebem, como troca, o mais sinceros dos sorrisos, o mais amável dos gestos e o mais ternos dos carinhos;
4) Jamais recear a dor; pois, ainda que imperfeita, a pessoa amada detém sempre em si o unguento que sarará a nossa ferida. Mesmo que nos magoe ou desiluda, em certos momentos, só ela – se for a real eleita – é que nos poderá curar;
5) Saber que não iremos, ao longo do percurso, beber do mesmo copo nem comer do mesmo prato; antes desfrutar da mesmíssima refeição;
6) Compreender que a luz da lua e a luz das estrelas nunca terão o mesmo brilho se contempladas foram sem a presença de quem, para nós, é o mundo;
7) Ansiar por tudo: tudo querer realizar, proporcionar, partilhar. Mas, mesmo de coração inquieto, saber respeitar o divino tempo de quem nos acompanha. Pois, se forte for o sentimento e a crença, estaremos dispostos a esperar até ao fim dos dias;
8) Crescer como duas árvores que desejam ser frondosas, de forma paralela – sem emaranhar a ramagem ou impedir que a outra receba a luz do sol;
9) Sentir que, por mais longa que seja a caminhada, jamais iremos largar a mão de quem mais amamos, pois somos a sua rocha e o seu farol – tanto quanto ela o é para nós;
10) Saber que, por mais longínqua que seja a distância, por mais dolorosa que seja a saudade, penoso o peso do coração ou amargo o inevitável desfecho, tão árduo de ser aceite, a luz que uniu as duas enamoradas almas perdurará no tempo e, seja de que forma for, jamais cessará o seu brilho mais autêntico e singelo.
Pedro Belo Clara.
quinta-feira, 6 de setembro de 2012
O Homem e suas obras
O Caminho existe para ser caminhado, embora seja aquilo que é por si só, sem a necessidade de ser ou não trilhado. Ao longo do mesmo, múltiplas experiências são-nos proporcionadas: encontros casuais ou deveras marcantes, limpezas de dores antigas, equilíbrio entre recalcados sentires, entre muitos outros exemplos. No fundo, toda uma panóplia de ocorrências se estende ao longo do mesmo. Assim, desde logo nos cabe uma de duas opções: a escolha de uma causa somente nossa, a bandeira que ergueremos durante a viagem, ou a entrega de nós mesmo ao fluxo vital que livremente corre, confiantes de que, no tempo certo, chegaremos a bom porto. Contudo, analisando na sua amplitude toda a questão, haverá ainda uma terceira opção que se sobressai, mas que não passa de um misto entre as duas anteriores. Tudo existe por si, tudo é válido por si. Tais escolhas apenas revelarão a nossa conduta, a nossa forma de entendermos e de encararmos o percurso vindouro. E tudo se justificará pela palavra de quem se assume e, por sua livre escolha, nitidamente se define.
Seja de forma for, nenhum Homem se revela desprendido o suficiente para não deixar vestígios de sua passagem por este lugar. De certa forma, isso acaba por ser o legado que cada um de nós aqui deixa, nas mãos dos futuros caminhantes ou nas bermas dos caminhos por desbravar. Essa será a nossa obra, expressamente construída ou inconscientemente moldada. Não estamos sós; conhecemos e somos conhecidos, vivemos e somos vividos – as nossas palavras e as nossas acções, mesmo que frugais, registam, por vezes, impactos muito para além do imaginado. Seja qual for o nosso papel no grande Ciclo da Vida. Pois não é necessário erguer catedrais para louvar coisas sacras, escrever livros para transmitir sabedoria, governar para uma visível marca deixar impressa num povo – na maior das simplicidades, reside o mais autêntico dos efeitos. Mesmo sabendo da efemeridade de todas as coisas.
Cada um de nós, aqui, com uma afinação mais certa ou desconcertada, possui uma bússola que o orientará ao longo de sua viagem. Por isso, apenas um Homem saberá dizer o que murmuram os intentos do seu coração. Que seja fiel à sua sapiência! Nada é passível de ser julgado, condenado ou argumentado por terceiros. A Verdade é de cada um; e cada um sabe, no mais íntimo de si, o que desejará concretizar. Que sejamos sempre, então, audazes o suficiente para querer escutar essa douta voz e para permitir que tal fogo nos inunde, comande nossos luminosos impulsos e se materialize, por fim, na mais digna das obras. De certa forma, temos, à partida, essa dívida para com os que ainda virão: a revelação de nossa visão, impressa em nossas obras. Serão sempre uma mão que se estende para receber os novos visitantes e uma boca que lhes sussurra tudo o que foi visto e sentido – apenas para eles possam aprender a ver e a sentir por si mesmos. Mas sabemos da efemeridade das coisas. Contudo, e se nelas impregnarmos o nosso mais íntimo perfume, as obras perdurarão muito para além das linhas do tempo! Principalmente, no coração de quem mais nos amou.
Ao entender a sua obra e ao realizá-la, pelo tempo que for necessário, cada Homem não só saberá dizer quem, na verdade, é, como também conseguirá indicar o seu lugar no grande Ciclo, enquanto a sua jornada por este mundo de experiências e aprendizagens não terminar. Todos possuímos um pedaço de fértil terra junto a nós, onde algo poderemos plantar. Essa, no fundo, será a nossa obra, o nosso legado, a folha onde impressa será a nossa visão. Alguém, um dia, recebê-la-á – seja nossa descendência ou não. E quem poderá saber que luzes, então, despertarão naquele olhar? Todo o processo subjacente é árduo, claro, mas que jamais nos falte a força para o cumprir ou a coragem para replantar o que destruído for pelas secas e pelos dilúvios! Eis a crua verdade: somos Humanos. Nossas obras poderão não ser perfeitas, mas poderão atingir profundidade. Nenhum de nós, irmãos de viagem, sabe se ainda virão tempestades insanas ou secas avassaladoras para nos assombrarem; de facto, é bem provável que o seu tempo acabe por chegar. Sabemos isso, mesmo que o temamos. Mas somente a persistência nos guiará à devida recompensa. E, em cada etapa, pelo sol e pela chuva pautadas, percorreremos o nosso trilho evolutivo.
Cuidemos de nossos pomares, nobres irmãos. Eles são da nossa única e exclusiva responsabilidade. Cuidemos de cada árvore com amor lá plantada, regando-as, podando-as, livrando-as da mais oculta das ameaças. Se perecerem, outras serão plantadas com a mesma paixão! Mesmo que o coração se quebre… Mas até ele conhecerá o dia do seu amanhecer. Actuemos até onde os nossos braços chegam, cumprindo cada tarefa que escolhemos e sabemos cumprir. O resto já não dependerá de nós. E será no silêncio da entrega que a luz maior brilhará, como resultado esperado, como colheita abundante e por demais justificada.
Pedro Belo Clara.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
Marcas passadas, desafios futuros
Somos essência perene, sejamos ou não somente existência quando desta experiência desfrutamos; somos luz que se expande e contrai, se desenvolve e transmuta em algo de novo, embora jamais abandone os seus básicos princípios – isto é, sem jamais deixar de ser aquilo que é. Aqui nos encontramos, hoje, como o produto de tantas vivências; e, com um maior ou menor número de marcas, aqui permanecemos, brava e dignamente, a cumprir aquilo a que nos propusemos, ainda que isso possa ser o mais oculto segredo da existência. Somos o resultado de múltiplos viveres, sim – a sabedoria, outrora intuída, cresceu em nós através de incontáveis experiências. Contudo, ao longo dessa viagem de experimentação, onde crescemos, aprendemos, contraímos dívidas, saldámos dívidas, sorrimos, chorámos, amámos e fomos amados, certos aspectos cravam a sua marca em nós, de tão vívidos ou dolorosos que foram. São pedras, no fundo, cujo peso nos incomoda e que, como tal, exige ser libertado. Daí advêm nossos medos e inseguranças, por exemplo. Nem todos são o resultado de passadas experiências, é certo, mas muitos têm a sua génese em tempos já esquecidos. No entanto, a sua marca permanece em nós, como ferida calcinada, a impedir a nossa libertação. É claro que a transcendência é a suprema forma de libertação, uma vez que comporta superação, aquela que certos viajantes, em momentos de pura iluminação, atingem e, como exemplo, deixam aos restantes o seu testemunho – ainda que a via pessoal seja díspar da colectiva e, dentro disto, infinitos rumos de esboçam na individualidade de cada um.
De facto, marcas passadas representam desafios futuros, etapas a serem finalmente vencidas, em nome da nossa própria evolução. Contudo, tal desafio, com outros tantos, não se apresenta fácil. Aliás, nunca é fácil lidar com a dor remanescente, provenha ela de relacionamentos falhados, perdas emocionais ou de sentidas quedas. Porém, a libertação impõem-se. O primeiro passo, esse, consiste na consciencialização de que algo está errado, de que algo nos encarcera, nos impede de continuar de forma solta e sadia. Depois, surge a tomada de decisão. É necessário querer a libertação, deixar viver, largar o velho para que o novo surja e tome o seu devido lugar; é necessário entender que velhos padrões são desprovidos de valor e que, assim sendo, jamais se repetirão. Aqui, será já possível compreender que todo este processo é claramente terapêutico, uma autêntica cura de Alma. E todos nós, queridos companheiros, como tão bem sabemos, possuímos nossas feridas.
Felizmente, todo o viajante dispõe de informação útil e passível de concretizar um efeito auxiliador. Mas, em primeira instância, é importante entender que relembrar é sarar. Aí, como consequência desse exercício, seremos confrontados com a ideia de que tudo é eterno – somente as máscaras e os papéis se alteram. Nada possuímos, na verdade… Somente a ilusão de que, em um dia, fomos donos de algo ou de alguém. Mas nada perdemos… nada! Somos partes de um todo. Quem busca, encontrará, a seu tempo, o motivo de tanta procura – assim será com quem desejar a sua libertação. Dispomos, em torno de nós, de tudo o quanto necessitamos. Então, transmutado esse estado e ultrapassada essa dura pedra, abandonaremos uma existência puramente circular, sem saída ou desenvoltura possível, tal o peso que nos aprisionava. Por fim, estaremos aptos a alcançar o próximo estágio de nossa evolução e experimentação, até que esse excelso mar, de onde proviemos, nos volte a receber, sorridente, em seu reconfortante âmago. E toda a viagem terá terminado, apenas para que uma nova se inicie.
Pedro Belo Clara.
quarta-feira, 11 de julho de 2012
A arte de celebrar
Certo dia, reuni alguns companheiros em torno de uma mesa. O propósito? Estar; simplesmente, estar… E ser – enquanto que, em simultâneo, nos trespassava uma cândida plenitude, trazendo à lembrança o assumir de outros estados. Assim, ali estávamos, mas não estando; éramos e não éramos, ao mesmo tempo. Contudo, algo mais nos unia, além das óbvias correntes de fraterno companheirismo. Ainda que o Tempo seja, em si, uma ilusão, uma correia pronta a nos aprisionar e manipular, a própria Vida, ou o Mundo em si, apresenta a sua particular medida, isto é, o seu natural suceder de estações, épocas ou etapas – as quais em muito diferem do tempo que amiúde consultamos como indubitável oráculo, e pelo qual, ciosamente, nos regemos.
Acontece, por isso, que, naquele dia, completava-se um ano (de acordo com as ilusões desse tempo pré-estipulado), que um certo sucedido - e suas habituais circunstâncias e elementos componentes - havia cessado. No fundo, tratava-se de um ciclo que a todos nós dizia respeito, com maior ou menor grau de incidência, um ciclo que conhecia agora o seu esperado término (seguindo os parâmetros de um tempo real, ou seja, do natural suceder de todas as coisas). Então, propus que pegássemos em simples copos e que brindássemos, em sereno festejo, ao completar de tal etapa (onde a promessa de muitas outras logo se fez anunciar).
E assim o fizemos, no devido tempo, tranquilamente celebrando a Vida como dádiva que é, como uma valorosa oportunidade de experiência, de partilha e de aprendizagem. É deveras singular sentir a emoção pura que nos invade, quando os sorrisos sinceros se elevam e os corações se abrem em plena felicidade. Bem sabemos da efemeridade dos componentes deste plano… daí apenas eclode a oportunidade de os celebrarmos enquanto existem como coisas ou sentires que são! Que real valor se subtraía do contínuo atrair do peso das inúteis imposições, da seriedade sem sentido, da taciturnidade adquirida, das responsabilidades que se assumem sem, no fundo, as desejarmos ou, pelo menos, nelas encontrarmos um válido propósito? Tudo possui a sua vez, e a Vida é balanceada por um frágil equilíbrio que a si mesmo se sustém - daí a díspar natureza das ocorrências que atravessam os nossos dias.
Haverá, eventualmente, quem considere tal acto uma perfeita irresponsabilidade, tendo em conta a sobriedade extrema de suas existências… Afinal, seus mundos estão limitados, cofiados às visíveis fronteiras que delimitam aquilo que sempre conheceram. Se tudo sempre foi assim, como poderá ser diferente? Deverá até ser diferente? Evoquemos, então, o Supremo Equilíbrio: não há sol sem chuva, tampouco repouso sem labor. Tudo coabita em plena harmonia. O segredo de todas estas práticas, da mais pensada à mais espontânea, reside no “caminho do meio”, nunca em seus parentes extremistas. Se procuramos a frugal via do equilíbrio, não tomemos o trilho da direita nem o da esquerda, mas sim aquele que, no meio de ambos, se desenha, mesmo que sua entrada se cubra de implacáveis pedras e de ferozes espinhos.
Celebremos, por isso, o dia! Recebamo-lo como a bênção divina que ele é! Seja a dançar, cantar, orar ou simplesmente a caminhar - celebremo-lo! Ofertemos um sentido abraço a nosso vizinho, enchamos de beijos nossos familiares, comunguemos com o que nos rodeia, laboremos em pleno prazer, colhamos ou semeemos… Não importa; celebremos! E desfrutemos das múltiplas vias para tal, pois em nós está a possibilidade de as escolhermos de acordo com a nossa peculiar natureza. A Vida é o “agora”, como em inúmeras ocasiões falámos; vivamos o “agora”! Entendamos o precioso milagre que ele é! Um Presente a partir do qual se moldará nosso Futuro, é certo; mas, se o vivenciarmos, não mais isso nos importará. Pois estaremos a ser embalados pelos braços da Eternidade, o redentor “vazio” ao qual nos entregámos. Tudo é precioso por si e digno de ser conhecido, contemplado e vivenciado. De que serve nos ocuparmos com as futilidades que, diariamente, rotineiramente, nos são lançadas pelo social mundo? Nossa material existência é um sopro na história universal, e há tanto ainda por descobrir para além da ténue “realidade”… Afinal, estamos só de passagem; aqui, neste lugar, de passagem… rumo a algo imensamente superior.
Pedro Belo Clara.
segunda-feira, 25 de junho de 2012
Sobre o Amor
Pelo percorrer de todos os rumos, se para tal
experiência estivermos disponíveis, verificaremos a presença de um sentir que é
como um brando vento, uma corrente de ar que nos bafeja e guia, nos transforma
e nos faz crescer. Ainda que, ao sermos viajantes de tantas causas, resultados
de tantas histórias e vivências, possamos senti-lo e descobri-lo à luz de nossa
particular percepção, esse sentir é, para muitos, a razão de tudo o que existe,
visível e invisível; é a origem de cada coisa, o motivo que faz girar os
moinhos que se espalham pela deslumbrante paisagem de nossas existências; um
sentir que, na sua máxima expressão, é progenitor dos demais, pois todos nascem
de suas centelhas e a todos ele abrange, albergando-os em suas indistintas asas.
A que refiro, então? Ao Amor. Mas o que possui ele assim de tão singular? Que
coroa o distingue? Porque é que, apesar de frágil, é tantas vezes forte e
arrebatador?
De facto, o Caminho, como imenso palco que é,
oferece-nos variadas oportunidades de vivência, comportando o granjear de
experiência – traduzida posteriormente em sabedoria – e o crescimento /
desenvolvimento daquilo que, em essência real, somos. Assim, as relações
humanas (e não só) são simplesmente um renovado aroma que perfuma nossas existências.
E, na sua base, em diversas e díspares formas e dimensões, encontra-se o Amor.
Ele é frágil, sim, dócil e singelo, mas essa é a sua principal força, a
valência que o torna no «mais firme dos esteiros». Ele é a causa da redenção
nos que se julgam perdidos, da absolvição nos que se pensam culpados, do
sossego nos inquietos, da esperança nos desesperançados, da aceitação nos
proscritos… Mas só e apenas se a tal luz os indivíduos se abrirem. Afinal, o
sol sempre brilha fora de nossas habitações, banhando suas paredes e seu telhado
– compete-nos o descerrar de cortinas e o escancarar das amplas janelas, para
ele nelas possa entrar.
Contudo, ao ser tão maioral e particular, o Amor
nem sempre é por nós bem entendido, manejado, ofertado ou recebido. Em real consideração,
experimentá-lo não significa compreendê-lo, embora seja um dos passos que nos
conduzem a tal realização – tal arte advém de nossa sabedoria, consolidada em
consciência. Muitos são aqueles que, de entre nós, em seus particulares rumos,
vêem no Amor as linhas que compõem o apego. Como tal, atraem inevitavelmente o
sofrimento. De tão forte, puro e verdadeiro que é, olvidamos o facto de que
cada indivíduo possui a sua liberdade, e que essa deverá ser, invariavelmente,
respeitada. No fundo, no meio de um turbilhão de dor ou de prazer, revelamo-nos
egoístas. É, aliás, fácil tropeçarmos nesta armadilha – mas, convém não
olvidar, os erros são o maiores provocadores do nosso desenvolvimento. Tal
comportamento é, por isso, banal e difícil de quebrar ou, até, de evitar (antes
aceitá-lo, compreendê-lo e transmutá-lo). No entanto, sempre poderemos tentar.
Cada dia comporta a sua aprendizagem, pelo que jamais poderá ser tardio o
esboçar do primeiro passo.
O verdadeiro Amor, assim, quando incondicional,
livre de restrições, julgamentos, imposições ou encarceramentos, comporta a
liberdade – e essa é a sua maior virtude, diminuta acha de perene Luz. Se tal
aspecto for, por fim, compreensível ao nosso entendimento, saberemos (como
certas coisas sabem aqueles que veramente crêem) que nenhuma ligação será
jamais quebrada, existindo, com o afastamento (breve, por sinal), a promessa de
um reencontro. Múltiplos sentires poderão, posteriormente, nos assomar, sendo a
saudade a líder dessa implacável manada, mas nós, viajantes, possuímos o Tempo
– o curador de todas as injúrias e feridas. Sem olvidarmos o Amor, é claro,
sempre abrangente, transmutador e apaziguante. Afinal, nada é, efectivamente,
efémero em essência, pois ela, a valência das valências, é veramente eterna por
sua etérea condição.
Pedro Belo Clara.
sábado, 9 de junho de 2012
Estados de experimentação
Ao longo dos nossos dias, que a seu tempo se consolidarão em
semanas, meses e anos – na ilusão de uma percepção pré-definida e precocemente
implantada –, desfrutamos da oportunidade de experiênciar diversos estados de
ser e de estar. No fundo, nossas existências resumem-se a isso mesmo: a
experiências (ou hipóteses de experiência). E elas são, por categoria,
imensamente variadas. Ora criadas por nós próprios (se decidirmos definir
nossos rumos), ora pelo Caminho (se a ele nos entregarmos e nele depositarmos
nossa crença e fé), elas permitem-nos percorrer a multiplicidade do Ser,
testando-nos, impulsionando o nosso indagar ou proporcionando, simplesmente, o
clarificar ou o consubstanciar de uma ideia, atitude ou, em escala alargada,
carácter. E, no seio de tudo isso, apesar de lhes ser comum o carácter peculiar
(que obviamente as diferencia), há algumas que oferecem ao seu experimentador uma
maior hipótese de crescimento. Aliás, não sentimos já, nos nossos particulares
mundos, a sensação de que algo nos enviava uma espécie de ultimato? Um
derradeiro aviso que não mais se repetiria? E tudo isso porque se impunha o
nosso despertar, o abanar de alicerces, a devastação de nossas culturas –
apenas para que de novo as pudéssemos plantar. O Infinito fala connosco através
de nossos corações, embora possuamos a escolha de os não escutar (o que, como
sempre se verifica, conduz a uma determinada consequência).
O Mundo é fruto de uma Una e Suprema Consciência que por si só
existe e prolifera, a Roda da Vida que faz girar o fluxo do Rio que flui por
nossos dias, que a si própria se arruma e molda, num inquebrável (porém,
flexível) equilíbrio que sempre se encontra e mantém – sem que a nossa influência
cause impacto. Experiênciamos, sim, mas todos nós, viajantes, sentimos essa
calado desejo de retornar a casa – a fonte de onde proviemos. Esse desejo,
traduzido em busca, apenas revela um certo grau de despertar, de percepção
conscienciosa. Afinal, sabemos onde nos encontramos e tornamo-nos cientes do que
existe e do que em torno de nós se desenrola. Contudo, tivemos de caminhar para
alcançar esse estado, ou melhor, para que ele pudesse entrar em nós. E tal
iluminado acontecimento eclode de nossas experiências, sejam elas escolhias ou
“sabiamente atribuídas”. Assim, julgamos aprender, quando no fundo apenas…
relembramos.
A Vida é, por si só, composta por ciclos, fazendo ela própria,
inclusivamente, parte de uma ciclo maior. Entender isto é saber que tudo se
sucede, nasce e se renova. No entanto, entre o Sol e a Chuva, somando toda a
sua singularidade e expressa necessidade, existem certos estados que entendemos
por maldosos ou passíveis de repressão, rejeição e substanciais vitupérios. De
entre eles, a enfermidade. Apesar de sempre nos focarmos uma só objectiva,
mirando e recebendo o lado negro de uma esfera bicolor, esse estado, mais do
que qualquer outro, oferece-nos uma hipótese de ficarmos mais perto de algo
superior. E isto porque nossa consciência altera-se significativamente,
tornando-se, como tal, mais receptiva e susceptível – algo que, em momentos de
grande vitalidade, não acontece. Existirão outros caminhos e alternativas vias
para algo se implementar, é claro, mas – e nem sempre em última análise – este
estado assoma-nos. Há um brilhante fundo de verdade no psicossomatismo: nosso
corpo envia-nos sinais e reflecte o estado de nossa mente e Alma. Se algo assim
nos conquista, então impõe-se uma revisão de actos ou de estilo de vivência.
Além disso, do reconhecimento e aceitação de nossas humanas fragilidades
irrompe a Humildade; o que, por consequência cultiva o “ser”, não o “ter” – um
resultado do nosso exacerbado ego.
Imergimos, em suma, numa densa escuridão, que dar-nos-á, a seu
tempo, a origem de uma luz deveras cintilante. Obviamente que, por sanidade,
todos desejamos rejeitar a dor, mas… por vezes o crescimento advém de nossas
próprias feridas. Constatar tal via é, tal como há pouco vos falei, entender e
aceitar os ciclos deste Mundo e sua dualidade: não existe direita sem esquerda,
vida sem morte, preto sem branco, Outono sem Primavera. Mas, por fim,
acabaremos por compreender que, ao abraçá-las, superá-las-emos, vibrando em
níveis elevados e sendo livres, verdadeiramente livres, amparando na palma de
nossa aberta mão uma fina centelha, dócil estrela, a ínclita filha da
Eternidade.
Pedro Belo Clara.
terça-feira, 22 de maio de 2012
Sobre a Liberdade
Através da leitura de muitas outras publicações anteriores, ficou sublinhado o seguinte facto: a Liberdade, aquela que – a par da Felicidade – muitos de nós procuram trazer até suas existências, reside em nossas escolhas. Sabemos, por isso, que elas poderão ser árduas ou comportar insuportáveis consequências, mas, ainda assim, o opção está sempre em nossas mãos. Esta procura, que em inúmeras ocasiões constitui o mote de uma só vida, poderá demorar-se por toda uma existência, valorizando-a e preenchendo-a com um louvável significado. Contudo, nada existe que não possua o seu término. Aliás, algo terá sempre de cessar para que um outro algo se inicie. Ao entender isto, estaremos, desde já, a autorizar o fluir do Caminho e de seus elementos e ocorrências – ou, fazendo uso de outras palavras, permitir que um livre fluxo corra por nós.
No entanto, desejamos muitas vezes a Liberdade sem nada fazermos para a experiênciar. E isto porque, em súbitos assaltos de um receio de perda, colamo-nos de uma forma intensa, doentia até, a certos objectos, situações, experiências ou indivíduos. Tememos sempre a mudança, é certo, e o agarrar de algo que nos é familiar concede-nos segurança, um estagnado equilíbrio. Ainda que possa ser o Amor a razão que a eles nos prende, é um facto de que a verdadeira expressão desse sentimento comporta a Liberdade, não o apego ou a manipulação. Contudo, o mundo em que vivemos ainda se rege por antigos padrões e nós, de certa forma, permitimo-nos ser moldados pelos mesmos, muitas vezes até de uma maneira imperceptível e, como tal, inconsciente – o que só ressalva a importância do despertar consciencioso. Por isso, sentimos dor e desolação relativamente a situações diversas, algumas até banais, situações em que, se entendidas fossem sob um aspecto de vista diferente, dar-nos-iam motivos para sorrir ou celebrar em serena alegria.
Um determinado grau de certeza pode verdadeiramente fornecer um terno conforto, mas tudo é efémero – e o Homem que de vera sabedoria se dota entende isso mesmo. Como tal, desapega-se e toca a Eternidade. Porque experiênciar a Liberdade ou desejar estar (ou ser) livre não implica necessariamente tudo abandonarmos para constituirmos residência em um bosque ou caverna longínqua, adoptando um modo de vida introspectivo e de reclusão – exceptuando os casos em que intimamente sintamos tal apelo, pois nisso nosso maior guia – o coração – é soberano. A Liberdade faz-se antes sentir a partir do não domínio e da auto-preservação (tudo se cria e regenera por si só). Se vivermos e deixarmos viver, estaremos a despojarmo-nos de muito! E a ideia desta reflexão vai muito mais além da atitude indolente, leviana ou despreocupada que ela deixa transparecer… Pois todos puxamos para nós as responsabilidades que desejamos aceitar, sabendo de antemão que elas detêm uma tendência para nos aprisionar. Atravessamos problemáticas situações e demais complicações, mas ser livre representa precisamente o saber impedir que tal peso nos afecte, plenamente confiantes em nós e, não obstante, na roda que gera a Vida. E é nesse mesmo despojar que experimentamos uma das mais altas formas de transcendência aqui possíveis, neste plano onde a Alma ainda se encontra anexada a seu veículo, nossos corpos.
Escuta os teus apelos de coração e eles sintonizar-te-ão com a Energia Suprema – serão os ventos que bafejarão as velas de tua embarcação! Nada esperes, antes confia, encontrando as razões da tua própria crença; entende quem és e sê essa verdade, fluindo, certo de que tudo é mutável e passageiro, de que tudo se ergue e se replanta.
Pedro Belo Clara.
quarta-feira, 16 de maio de 2012
Fluir pelas margens do Ser
O Caminho prolonga-se até ao Infinito. Ele próprio, em sua
autêntica verdade, não é dizível ou palpável; existe como coisa eterna,
pulsante e mutável, como rio que flui e sua forma transmuta. A sua eternidade
reside naquilo que percepcionamos como “momentos”, e eles sucedem-se, a todo o
instante, como pequena parte de um ciclo maior, amplamente Universal, a roda
que tudo rege e tudo faz girar. O seu segredo maior reside no “agora”, no
presente instante, e não num passado que findou ou em um futuro indefinido. Se
nele vivermos, ou pelo menos nele focarmos nossa atenção, conseguiremos atingir
um novel estado de percepção, diferente do que até aí havíamos experimentado. Em
suma, se nos tornarmos fluidos, como folha caída por sobre as águas de um
grande rio, revelar-nos-emos conscientes, livres, soltos de qualquer incómodo
peso, e confiantes de que, em época propícia, atingiremos a foz, desaguando
depois no grande Mar. Mas até que ponto é que se estendem as nossas acções
deliberadas? Poderemos interferir num fluxo de ocorrências?
Possuímos nosso direito de escolha, uma opção que nos
definirá e, obviamente, nos trará as devidas consequências (para uma causa
existe sempre um determinado efeito, assim como o eco devolve, amplificada, a vibração
de nossa voz). Por isso, a hipótese de fluir pelos momentos assume, claramente,
uma posição de escolha a ser realizada. Ela existe, tanto como os demais possíveis
rumos, exacta e perfeitamente viáveis – a opção apenas reside em nós. Contudo,
é importante compreender que existem certos elementos e eventos que se
encontram fora de nosso alcance, pelo que, como consequência, não os
controlamos. É fácil sentirmos um crescente poder, quando definimos um caminho
ou traçamos um rumo por nosso próprio punho e deliberada atenção, e tudo vemos
a se erguer e, por fim, materializar. Ainda assim, em tempos de maior
turbulência, seremos atacados por uma oculta insegurança, um medo que pela
calada nos congela o discernimento. E, no seio de tal encarceramento, uma irascível
frustração reclamará o seu domínio. Poderemos nos debater, mas nunca
possuiremos uma força superior à corrente do rio que nos transporta. Essa é uma
inútil luta que em nada nos beneficiará, apenas imprimirá de forma mais funda e
indelével suas feridas e dores. E é por isso que ganha um enormíssimo relevo a
oportunidade de cultivarmos em nós o não agir, o não saber e o não ser –
estados onde uma derradeira liberdade é alcançada. São apenas parâmetros que,
no fundo, sustentam a fluidez de ser e estar, ao mesmo tempo em que não somos
nem estamos – divino paradoxo! Ou seja: atentos espectadores do mundo que por
si se desenrola, vazios como o livre vento e eternos como o Infinito.
Ao sermos fluidos, entendemos que existe uma certa
impotência passível de ser aceite, no doloroso auge de nossa humana
fragilidade. Assim são as regras deste jogo que aceitámos jogar, assim se
compõem os elementos que habitam e funcionam em pleno neste material plano,
onde por ora existimos. E diversas são as vias de sua anuição, pois, uma vez
mais, o Indivíduo percorrerá sempre o caminho que mais lhe convier, aquele que
mais se adequa à sua peculiar natureza. Afinal, exceptuando a situação em que o
própria desejaria modificar-se, nunca poderemos esperar que uma laranjeira faça
crescer figos em seus ramos, pois tal não lhe é natural; e, se o fosse,
revelar-se-ia uma figueira, assumindo uma condição que certamente nunca foi a
sua. Cada coisa, portanto, está em seu devido lugar. Assim, seja pela Fé, pela
Revolta, pela Esperança ou até pela Dor, sabe-se que, no fundo, todos se
apresentam como díspares rumos que nos guiam ao mesmo destino, com mais ou
menos curvas e pedras a distingui-los. Por isso, essa aceitação poderá ser
perfeitamente suave, se a isso estiver receptiva a Alma que tanto indaga. Em
alternativa (infelizmente a mais comum), sempre poderemos ficar a contas com o
assombroso e pesaroso ânimo, que se enegrece como uma vil assombração. Mas nós
já não vivemos para carregar tremendas pedras, antes para delas nos libertarmos!
Tudo poderemos aceitar, desde que cientes estejamos dos limites de nosso raio
de acção. Poderemos decidir não intervir (cultivando a não acção), mas, se o
fizermos, debater-nos-emos com nossa impotência. Aí, importará entender que a
situação compreende duas partes, uma espécie de trabalho de equipa entre o
Indivíduo e o Caminho em si. Façamos, então, tudo o que sentirmos estar ao
nosso alcance, mas conscientes de que o resultado final nunca dependerá
exclusivamente de nós. É aqui que poderemos modificar um pouco o curso das
águas, sem com ele contendermos, mas apenas se tal possibilidade nos for
permitida. Afinal, sabemos que uma longa história foi há muito escrita e
definida, por nós e outras consciências. Se acreditarmos em um Bem que nos
assiste e o deixarmos viver e actuar em nossos rumos, tudo se resolverá por si
e por si se encaminhará.
Celebremos, então, o Sol de nossos Verões, sabendo que em
breve virá o Inverno com seus nevões e insanos ventos. Estando a esse aspecto
abertos, permitiremos que a Serenidade e a Plenitude nos habitem, enquanto que
uma inabalável certeza se fortificará no silêncio de nosso íntimo. Quem disse
que esta Vida divina que experimentamos deverá ser sombria e taciturna? Cada um
cumpre o seu caminho, é certo, mas a opção de sermos livres existe! Poderemos
cultivá-la no imenso terreno fértil que é o nosso sábio coração. Mesmo que a
Vida nos traga dureza, saberemos que essa é a sua prova, e que suaves nos
poderemos revelar, apesar de tudo o mais.
Sejamos fluidos; e mais próximo estaremos de abraçar a
eternidade que reside no Todo, aquele que desde sempre nos enlaça e que tão
ardentemente anseia o nosso esperado retorno.
Pedro Belo Clara.
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