O Caminho prolonga-se até ao Infinito. Ele próprio, em sua
autêntica verdade, não é dizível ou palpável; existe como coisa eterna,
pulsante e mutável, como rio que flui e sua forma transmuta. A sua eternidade
reside naquilo que percepcionamos como “momentos”, e eles sucedem-se, a todo o
instante, como pequena parte de um ciclo maior, amplamente Universal, a roda
que tudo rege e tudo faz girar. O seu segredo maior reside no “agora”, no
presente instante, e não num passado que findou ou em um futuro indefinido. Se
nele vivermos, ou pelo menos nele focarmos nossa atenção, conseguiremos atingir
um novel estado de percepção, diferente do que até aí havíamos experimentado. Em
suma, se nos tornarmos fluidos, como folha caída por sobre as águas de um
grande rio, revelar-nos-emos conscientes, livres, soltos de qualquer incómodo
peso, e confiantes de que, em época propícia, atingiremos a foz, desaguando
depois no grande Mar. Mas até que ponto é que se estendem as nossas acções
deliberadas? Poderemos interferir num fluxo de ocorrências?
Possuímos nosso direito de escolha, uma opção que nos
definirá e, obviamente, nos trará as devidas consequências (para uma causa
existe sempre um determinado efeito, assim como o eco devolve, amplificada, a vibração
de nossa voz). Por isso, a hipótese de fluir pelos momentos assume, claramente,
uma posição de escolha a ser realizada. Ela existe, tanto como os demais possíveis
rumos, exacta e perfeitamente viáveis – a opção apenas reside em nós. Contudo,
é importante compreender que existem certos elementos e eventos que se
encontram fora de nosso alcance, pelo que, como consequência, não os
controlamos. É fácil sentirmos um crescente poder, quando definimos um caminho
ou traçamos um rumo por nosso próprio punho e deliberada atenção, e tudo vemos
a se erguer e, por fim, materializar. Ainda assim, em tempos de maior
turbulência, seremos atacados por uma oculta insegurança, um medo que pela
calada nos congela o discernimento. E, no seio de tal encarceramento, uma irascível
frustração reclamará o seu domínio. Poderemos nos debater, mas nunca
possuiremos uma força superior à corrente do rio que nos transporta. Essa é uma
inútil luta que em nada nos beneficiará, apenas imprimirá de forma mais funda e
indelével suas feridas e dores. E é por isso que ganha um enormíssimo relevo a
oportunidade de cultivarmos em nós o não agir, o não saber e o não ser –
estados onde uma derradeira liberdade é alcançada. São apenas parâmetros que,
no fundo, sustentam a fluidez de ser e estar, ao mesmo tempo em que não somos
nem estamos – divino paradoxo! Ou seja: atentos espectadores do mundo que por
si se desenrola, vazios como o livre vento e eternos como o Infinito.
Ao sermos fluidos, entendemos que existe uma certa
impotência passível de ser aceite, no doloroso auge de nossa humana
fragilidade. Assim são as regras deste jogo que aceitámos jogar, assim se
compõem os elementos que habitam e funcionam em pleno neste material plano,
onde por ora existimos. E diversas são as vias de sua anuição, pois, uma vez
mais, o Indivíduo percorrerá sempre o caminho que mais lhe convier, aquele que
mais se adequa à sua peculiar natureza. Afinal, exceptuando a situação em que o
própria desejaria modificar-se, nunca poderemos esperar que uma laranjeira faça
crescer figos em seus ramos, pois tal não lhe é natural; e, se o fosse,
revelar-se-ia uma figueira, assumindo uma condição que certamente nunca foi a
sua. Cada coisa, portanto, está em seu devido lugar. Assim, seja pela Fé, pela
Revolta, pela Esperança ou até pela Dor, sabe-se que, no fundo, todos se
apresentam como díspares rumos que nos guiam ao mesmo destino, com mais ou
menos curvas e pedras a distingui-los. Por isso, essa aceitação poderá ser
perfeitamente suave, se a isso estiver receptiva a Alma que tanto indaga. Em
alternativa (infelizmente a mais comum), sempre poderemos ficar a contas com o
assombroso e pesaroso ânimo, que se enegrece como uma vil assombração. Mas nós
já não vivemos para carregar tremendas pedras, antes para delas nos libertarmos!
Tudo poderemos aceitar, desde que cientes estejamos dos limites de nosso raio
de acção. Poderemos decidir não intervir (cultivando a não acção), mas, se o
fizermos, debater-nos-emos com nossa impotência. Aí, importará entender que a
situação compreende duas partes, uma espécie de trabalho de equipa entre o
Indivíduo e o Caminho em si. Façamos, então, tudo o que sentirmos estar ao
nosso alcance, mas conscientes de que o resultado final nunca dependerá
exclusivamente de nós. É aqui que poderemos modificar um pouco o curso das
águas, sem com ele contendermos, mas apenas se tal possibilidade nos for
permitida. Afinal, sabemos que uma longa história foi há muito escrita e
definida, por nós e outras consciências. Se acreditarmos em um Bem que nos
assiste e o deixarmos viver e actuar em nossos rumos, tudo se resolverá por si
e por si se encaminhará.
Celebremos, então, o Sol de nossos Verões, sabendo que em
breve virá o Inverno com seus nevões e insanos ventos. Estando a esse aspecto
abertos, permitiremos que a Serenidade e a Plenitude nos habitem, enquanto que
uma inabalável certeza se fortificará no silêncio de nosso íntimo. Quem disse
que esta Vida divina que experimentamos deverá ser sombria e taciturna? Cada um
cumpre o seu caminho, é certo, mas a opção de sermos livres existe! Poderemos
cultivá-la no imenso terreno fértil que é o nosso sábio coração. Mesmo que a
Vida nos traga dureza, saberemos que essa é a sua prova, e que suaves nos
poderemos revelar, apesar de tudo o mais.
Sejamos fluidos; e mais próximo estaremos de abraçar a
eternidade que reside no Todo, aquele que desde sempre nos enlaça e que tão
ardentemente anseia o nosso esperado retorno.
Pedro Belo Clara.
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