Por
uma só existência, ao longo do percurso, variados rostos atravessam os corredores
da sua vivência – de forma passageira ou não –, deixando sempre impressa a sua
indelével marca. Assim, e de uma certa forma, por mais breve que seja o contacto,
tais rostos nunca a abandonarão, pois irão permanecer em seus pensamentos,
memórias e coração, no especial recanto destinado às coisas mais estimadas e
preciosas. Na verdade, para causarem um significativo impacto não necessitam de
muito tempo ou de inúmeras palavras… O gesto, por vezes, perdura bem para além
de tudo isso, como uma estrela que cintila no vasto firmamento da mais terna
recordação.
Mas
serão tais encontros meramente aleatórios? Apenas se acreditarmos num aleatório
regimento de toda a existência… Há algo a retirar de cada um deles, em específicos
momentos e circunstâncias: aprendizagens, um saldar de antigas dívidas, um
relembrar crucial, um apoio, uma força, entre outros exemplos; mas cada um à
sua peculiar maneira e forma. É claro que o inverso é aqui igualmente válido;
ou seja, existem momentos em que nós próprios assumimos tal posição, a de
passageira (ou não) presença em existências alheias. Tanto quanto eles para nós
serão âncoras, resgates ou meios de libertação, também nós o poderemos ser para
eles mesmos. No fundo, tudo se conecta e interliga – e todos nós, caminhantes,
nos encontramos conectados e interligados uns aos outros, por mais que o venhamos
a ignorar.
Essa
é, indubitavelmente, uma das mais belas virtudes da vida (ou característica, se
preferirem). Obviamente, quem permanece atento e consciente não corre o risco
de perder um comboio que se aproxima lentamente da estação. Assim, conseguirá,
por certo, reter e desfrutar de todo o proveito que tal acontecimento lhe
poderá proporcionar. Desfrutemos, então! Pois tais encontros são deveras únicos
e especiais; estimemo-los, cientes de que de nada somos donos ou senhores. Os
abençoados são aqueles que em concha abrem suas mãos para receber a dádiva
sagrada que lhes for ofertada, aquela que com seus cálices será saboreada e
partilhada – e não quem ostentar pretensões de a deter, controlar ou encarcerar.
As preciosas coisas mantêm o seu singelo brilho se forem deixadas livres e
soltas, conservando a sua independência e valor – pois essas são as achas do
seu tão peculiar refulgir.
Há,
então, algo de veramente significativo a receber e a ofertar em tais encontros,
resumam-se eles as breves instantes ou a toda uma existência. E certo estou de
que, se agora mesmo abríssemos o nosso baú de recordações, seríamos capazes de
evocar exemplos que corroborariam esta ideia, fossem eles oriundos de um
passado tão antigo que a própria memória já dele se despojou – embora o perfume
das essências, de tão forte que é, nunca se extinga – ou o resultado de um
reencontro em efémero momento. Mas a importância e profundidade dos mesmos,
nestas tão especiais ocasiões, estende-se para além da nossa limitada
percepção. Uma semente é deixada a medrar, tanto em nós como nos indivíduos que
emocionalmente nos tocam ou por nós são tocados, pelo que o aroma dessa singela
flor perdurará sempre nos corações envolvidos. E daí apenas aflorarão sentidos
sorrisos.
No
entanto, é verdade que a dor constitui uma integrante parte neste processo.
Afinal, reencontros sempre despertam em nós algo de adormecido, amáveis
recordações ou antigas amizades, mas igualmente perdas emocionais, roturas e
afastamentos. São velhas feridas que se avivam ao tocadas serem. Embora todo o
viajante que se consciencialize e se disponibilize a transmutar tais padrões,
não mais úteis à sua presente evolução, entenda que as dores de outrora deverão
ser definitivamente curadas – mesmo que a sua marca nunca desvaneça. Não pode
haver lugar, num presente de esplendor, para um passado por demais consumido.
Caso contrário, como desejar que o futuro seja brilhante como o sol que nos
afaga o rosto? Antigos padrões devem cessar a sua repetição, sob pena de
cometermos os mesmos erros, de sentirmos as mesmas perdas e amarguras. Ainda
que seja árduo, quando nos olhares do nosso semelhante evocamos todo o bem que
foi vivido num outrora. Contudo, o Caminho percorre-se de olhos postos no
horizonte onde o alvor se anuncia, não naquele onde o sol já se pôs.
Não
refiro aqui um completo afastamento ou ruptura da relação em causa – somente se
ambos sentirem que tal decisão é a mais acertada, uma vez que a dor, de tão
forte, sempre impossibilita certas coabitações. O ponto principal é a tomada de
consciência: velhas roupagens não mais servem o seu propósito. Certos sentires,
ideias ou até sonhos poderão, à nossa limitada percepção, parecerem perfeitos,
tão certos e belos, mas, na presente vida, mediante outras circunstâncias e
ocorrências, não constituem o melhor para os indivíduos envolvidos e para a sua
necessária evolução. Então, que se saldem as dívidas remanescentes e que os
corações possuam a bravura necessária para continuar, para firmar a conclusão
de toda a pendência em causa. É árduo libertarmo-nos de algo assim,
convenhamos… Mas, por amor àqueles que outrora tanto amámos, e que nunca
deixarão de nos serem caros, tal urge ser realizado. Em nome da nossa e da sua
pessoal evolução, certos pesos deverão ser largados, certos assuntos
concluídos, querelas resolvidas e vivências enterradas (mesmo que ainda
esgravatemos, de quando em vez, o local do seu enterro).
Assim,
libertos, cumpriremos finalmente o que agora deve ser cumprido. Antigas
relações de nada valem para novos desafios… Principalmente quando as realidades
foram já efectivamente alteradas e em nada se assemelham ao que, um dia, foi
partilhado ou vivido. A Vida é um ciclo, e com ela tudo muda. Embora tal não
signifique expressamente a morte do sentimento que nos une a tais pessoas. Como
antes referi, não se trata de uma ruptura abrupta ou de uma despedida eterna –
antes, de um «até breve». De facto, novos desafios e vivências requerem outras
presenças, aquelas que realmente mais nos poderão auxiliar em nossas presentes
etapas e vice-versa – pois tudo é uma força que flúi num duplo sentido: dar e
receber. É, por isso, importante compreender e saber aceitar as novas
desenvolturas, bem como a acção que importa ser implementada (não olvidando o
facto de que, primeiramente, ela começa em nós), tanto ao nível da razão como
ao da Alma. Com ou sem a presença da dor, no decorrer de tal processo,
evoluiremos. E, livres, naquele que é o mais puro gesto de um incondicional
amor, rumaremos de novo à Luz que nos aguarda. Aí, nas planícies onde nos
recostaremos, uma vez mais e sem qualquer restrição de ordem material ou
evolutiva, o reencontro se dará. Pois o que é deveras forte, que pulsa no
íntimo mais sincero, nunca se quebra ou permite que o seu brilho cesse. Jamais.
Pedro
Belo Clara.
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