Descendo uma longa alameda, da mesma forma que todos nós
um dia já o fizemos, atravessamos elementos de adorno, presenças inertes ou
pululantes que em nosso redor se fazem notar. Com a percepção aguçada, somos
capazes de as receber sem procedermos a fáceis juízos sobre os seus propósitos.
No fundo, ao abdicarmos de tal, estaremos a nos despojar de algo que tanto
impera nos dias de hoje – o ego. E isto porque permitimos que a Alma se
sobreponha à mente, sempre célere na construção de suas considerações. Em certa
medida, assumimos um papel de imparcialidade, o que nos leva a questionar o
seguinte: vivemos em sociedades construídas sobre os egos, onde somente é
valorizado aquilo que alcançamos e não o que somos ou poderemos ser; portanto,
se assumirmos em outras ocasiões essa mesma transparência, esse comportamento
imparcial de alguém que simplesmente observa, um rude e profundo golpe será
dado nessa vã metade do ser. Acima de tudo, o que aqui somente está implícito é
a possibilidade de nos tornarmo-nos fluidos nos eventos da existência, simples
e livres como uma folha boiando na corrente do ribeiro, sem pensamento, desejo,
plano ou ambição opressiva. Ser, apenas; sem, no entanto, ser, na realidade –
um certo meditar que apronta o contacto com algo superior e, por isso,
purificador (pois a soltura será o sentir dominante, prova de que algo de
desprendeu em definitivo ou, pelo menos, em breves instantes de comutação). Este
exercício carece sempre de experimentação, pois os resultados e os efeitos
concretos só por si é que emergirão. Em suma, trata-se de uma postura perante o
Caminho e seus adventos sucessórios, uma postura que nos anuncia como simples
caminhantes, aptos a cada vez mais saberem de sua verdade e, com isso, a
entendê-la e aceitá-la. Assim, as fronteiras da consciência assistem a uma
considerável abertura de espaço (se de mais nos despojamos, mais livres e leves
nos tornamos), o que somente irá preparar um fértil terreno ao cultivo de uma
novel visão.
Mas nestes tempos de sucessão e de natural transmutação –
ou seja, evolutiva –, permanece a Vida, simples e imperial, sóbria e vasta como
as águas imensas de um oceano azul. E, com ela, todas as experiências vindouras
e suas promessas, as causas de várias acções passadas, hipóteses de novo
crescimento e de novos rostos a serem descobertos ou reconhecidos; enfim, todo
o seu potencial, esplendor e magnanimidade a cintilar num esboço de vivência.
No entanto, bem sabemos da existência da Chuva e da possibilidade de já na
próxima curva ela se manifestar… Ou não fosse este plano o manancial da
dualidade, do contraste vívido entre contrários. Por isso, quem caminha
veramente, não deseja mais que a criação, não se opõem ao natural desenrolar da
multiplicidade (pois tudo existe, tudo é natural e fluido), e sabe, no âmago de
si, numa intuição tão vera e divina, como tudo se sucede e comporta. Contudo,
se em um qualquer dia de passeio, atentarmos em vários semblantes e nas histórias
pessoais que cada um deles em silêncio conta, veremos que reinam em número
aqueles que ostentam as marcas de uma vida, suas feridas, cansaços e
desilusões. Em contrapartida, diminutos são os que, mesmo não ocultando os seus
íntimos sinais, irradiam uma luz resplandecente, a luz de quem vive e, ainda
assim, crê fortemente numa nova madrugada, onde o seu Ser mais puro em
liberdade cantará ao banhado ser pelos primos raios de um sol renascido. E é
aqui que subsiste um espaço para a diferenciação, pois é a postura adoptada que
na sua globalidade os define. Se num momento de recato, em instante de
necessária meditação, nos relembrarmos de tais imagens, por certo atingiremos
tal conclusão (e consequente mensagem a ser retida).
Uma vez mais, tudo se resume a uma única escolha; árdua,
talvez, mas ainda assim uma válida escolha. Quem afirmou que deveríamos perecer
após o desferir do primeiro golpe? Algures, em todos nós – e importa que isto
seja sublinhado, para claro ficar –, reside a génese dessa força, seja pela fé,
pela esperança, pela compaixão ou pelo amor. Múltiplos são, para sumariar, os
caminhos que nos guiam até ao cerne da Alma e inúmeras as vias da ascensão
plena. Recordam-se da publicação em que abordámos as vias do coração? Evoquem
tais palavras e construam agora vosso parecer, sintam-no como sendo vossa
pertença, como sendo algo da vossa natureza. Deslizem pelos segundos que em
ilusão povoam o dia e, caros viajantes, com as vossas bandeiras bem fincadas
alcançarão o harmonioso alvor onde o Nada é Tudo, e o Tudo é… Nada.
Pedro Belo Clara.
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