Estando aqui, no cimo de uma verdejante colina, não posso
deixar de reter a imagem única e peculiar que traduz o mundo em redor, diminuto
sob esta perspectiva, nem tampouco de com todos vós a partilhar – ou não fosse
essa uma das grandes virtudes da Vida que experimentamos. De facto, quando nos
encontramos imergidos num vasto mar de problemas e de densas questões, não
existe uma melhor via de com tal coisa lidar do que essa, isto é, proceder ao
afastamento temporário desses nossos pesos. Tal como se nos achássemos no topo
de uma qualquer colina, constataremos aí que nossos problemas, afinal, eram
simplesmente insignificantes. A distância detêm esta valência: a revelação do
real tamanho do negrume que sobre nós julgamos ter pousado (algo que só fará
que tais eventos percam a sua vital importância). Até daqui, deste lugar onde
me encontro, o imenso mar azul não passa de uma bela mancha distendida pela
paisagem. Mas, para além disso, não poderemos igualmente olvidar a hipótese
luminosa que reside neste exercício: a aparição da resposta ou da solução que
tanto ansiávamos. Pois, em prática, ao sairmos do cerne de nosso avassalador
turbilhão, permitimos que nossa consciência, mais solta e leve, possa
considerar sobre o assunto em causa e sobre a melhor via a tomar, aquela que
nos levará até à sua final (e quem sabe definitiva) resolução.
É agora, para mim, hora de partir; mas não o desejaria
fazê-lo sem antes vos dizer que, com a minha ida, tal lugar se encontrará
disponível para vós, para todos aqueles que, a seu tempo, quando os corações
implorarem por tal escape, conquistarão a sua íntima colina e, dela, assistirão
ao desenrolar quotidiano dos dois mundos onde existem. E talvez como eu se
sintam curiosos por assistir ao desenvolver do habitual cenário que nos acolhe
e ao comportamento, ora espontâneo ora mecânico, daqueles que o compõem.
Observarão, certamente, carros que vão e vêm, desenfreados como ventos loucos
que desbravam as livres estradas, aviões que esvoaçam e rompem nuvens, plenos de
passageiros, pedestres que seguem seus caminhos, concentrados e fechados em
pensamentos que só eles sabem e, então, talvez sintam uma estranha sensação de
realidade contínua, uma eternidade presente nos momentos sucedâneos, aos quais,
contudo, quem por eles passa a eles obedece. Depois, terminados esses passeios,
essas buscas que aparentam ser infindas, esse pulular de íntimos desejos ou o
cumprimento de uma imposta tarefa (pelos próprios ou por outrem), talvez
consideram igualmente curioso verificar como todos se apressam em regressar
àquilo que os espera, sejam familiares semblantes, a inércia de pálidos objectos
ou o simples e (para eles) redentor vazio. E, aí, sedentos por algo mais a
identificar, talvez compreendam que todos se encarceram voluntariamente. «Os
lares são e sempre deverão ser abrigos, jamais prisões…», dirão vocês, no auge
da maturação de uma súbita ideia. «Porque desejamos provar a liberdade em nossa
existência, se à primeira lambida nada degustamos e logo retornamos aos
cárceres rotineiros? Que medo cresce oculto na noite dos que não questionam?».
Verão, talvez um dia, que toda a vida pré-definida aparenta estar
verdadeiramente direccionada nesse sentido. Pois, à noite, se ainda
permanecerem no cimo de vossa ínclita colina, assistirão à vasta gravura que se
pinta com as luzes que piscam nos prédios, essas meras torres de betão frio e
indiferente que infestam o horizonte, e observarão – no silêncio que então se
instalar pelos arruamentos – as exíguas luzes que aí se acenderão e outras que permanecerão
apagadas, esgotadas ou idas, como as existências que habitam essas quadradas
habitações… Se apenas soubéssemos da existência de algo maior, de apenas
conseguíssemos e, antes disso ainda, tentássemos sentir e, com o resultado
desse sentimento, nos abríssemos a uma crença reveladora… Ah, caros viajantes,
o que não poderia então ser feito! Mas muitos ainda não compreendem o dialecto
que o Caminho sussurra na quietude dos sonhos e das ilusões…
E, ao abandonarem por fim esse local, deixando-o livre
para aquele se seguirá (embora sem nunca olvidarem o motivo que até ele vos
guiou), talvez o façam com o mesmo pensamento que paira pelas galerias de minha
mente, talvez pressintam que cada um de nós, por si, seja um dia finalmente bem
sucedido nessa emudecida demanda pela luz, a verdadeira Luz reveladora dos
corações que latejam, e, então, rendidos ao esplendor anunciado, se lembrem de
quem verdadeiramente são e de tudo aquilo que ainda poderão executar em prol de
si mesmos, de seu semelhante e da comunidade que a ambos acolhe. Talvez,
queridos irmãos, nos fermente então a vontade de erguer nossos semblantes, de atentarmos
nas estrelas e entendermos que, embora quedadas e mudas estejam, elas sabem de
sua verdade e felizes são em sua verdade, e que, graças a essa sua certeza tão
certa e reconfortante, cintilam como mais ninguém.
Pedro Belo Clara.
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