Experimentamos díspares sensações através da absorção dos
momentos vividos, diversos em teor e composição. Se por tal nos decidirmos,
deles retiramos uma certa aprendizagem (caso aguçada esteja a nossa percepção)
ou, em última hipótese, retemos o principal componente de sua estrutura, assim
como deles desfrutamos ou simplesmente os ignoramos. Tais ocorrências,
obviamente, existem por si só; o grau diferenciador reside apenas na forma como
o seu receptor (todos nós, em suma) as recebe – mínimo ou elevado a uma
potência consideravelmente alta. Mas será que tal comportamento modifica a
nossa forma de ver e entender o mundo que nos rodeia? Muitos de nós deparam-se
com um “excesso de sentir”, uma avassaladora corrente emocional que os atravessa,
transbordando de suas margens e inundando os terrenos do contentamento ou da
frustrante desilusão. Dir-se-ia, talvez, que indivíduos desta índole vivem amargurados,
reféns de uma natureza sofrível, aptos a tudo sentir em moldes muito mais
intensos do que aqueles a que seus semelhantes recorrem. Seja como for, todas
as formas de entender o Caminho são válidas e a cada um de nós cabe a
responsabilidade de aprender a lidar com o peso de nossos fardos (ou não fosse
essa uma capacidade inata). Será que tal excesso de sentir, essa enorme
capacidade de compreender e receber o mundo e seus adornos em frágeis braços
humanos, não constitui um mero reflexo de uma íntima ânsia em saborear e
assimilar os elementos que nos rodeiam? De facto, quem poderá recriminar um
artista por tanto desejar comungar, entender e reproduzir o vórtice emocional
que o assola quanto capta as reproduções de sua percepção? Há um indício de
busca profunda decifrável em tal comportamento, ainda que vago seja. Por isso
mesmo, convém relembrar que cada Alma possui contornos muito singulares que
apenas deverão ser aceites e compreendidos (inclusivamente pela própria), na
mesma medida em que cada caminhante parece indagar, demandar pelo oculto e
questionar todas as premissas de seu rumo. No fundo, somente aqueles que buscam
e caminham é que alcançam seu destino, aquele que, mesmo desconhecido ou
adormecido nas bainhas de um sonho místico, pulsa em raios dourados no tecido
de nossos corações. E é por isso mesmo, queridos caminhantes, que eu jamais
aponto a verdade dos trilhos a desbravar; antes destapo os horizontes onde
vossas mãos traçarão, por si mesmas, as linhas de vossas futuras direcções. Além
disso, certo estou de que aquele que souber se guiar por sua bússola interior
melhor definirá a sua orientação.
Afinal, não somos todos nós os artistas de nossas
existências? Não a desejamos sentir plenamente, recebê-la de forma tão
aprazível como ela nos recebeu a nós, entendê-la e desfrutá-la com as emoções
da Alma e, de certa forma, fundirmo-nos com a sua essência? Quem não almeja
harmonizar-se com o cenário que o rodeia? É claro que todos nós, caminhantes de
vários caminhos, possuímos a nossa história e nossas próprias cicatrizes. Mas,
por mais que nos doam, temos a capacidade (e a oportunidade) de aprendermos com
elas e de renascermos para novos dias! O facto de sentirmos algo mais
intensamente (ou não) apenas se traduz no acto de colocar mais ou menos
condimentos em um certo alimento, mesmo que tal seja entendido como uma bênção
ou uma maldição. Embora existam certas coisas que ocorrem e se desenrolam muito
para além de nosso controlo, uma certa percentagem desses acontecimentos é-nos
reservada. Quantos de nós, num devaneio revelador, não compreendem, de súbito,
que suas mãos sempre seguraram martelos, escopos, penas ou pincéis escorrendo
tinta fresca? E, à sua frente, estendiam-se mármores que aguardavam a vez de
serem esculpidas, poesias ansiosas de rimas e telas brancas, prontas a perder a
sua alvura… Todos possuímos um caminho que podemos esboçar e trilhar. Plantem a
vossa semente e aguardem que se torne árvore. Poderá não possuir os ramos que
imaginaram nem vos ofertar o número de frutos que desejaram, mas será uma
árvore em tua a sua condição e esplendor! E o primeiro princípio foi alcançado…
É claro que em nossas existências desfrutamos de momentos
felizes e de outros mais sombrios, mas… porque nos quedamos fatalmente nos mais
ocultos de todos? A transmutação é uma arte poderosa e útil (embora não seja
fácil de aplicar), algo a que todos poderemos recorrer. Além disso, com cada
acontecimento nós poderemos aprender algo que fará o lapidar do precioso
diamante que somos. Sempre há algo que habita nas entrelinhas de cada momento,
um motivo por detrás de cada acção – mesmo que nossa visão esteja baça ou nossa
mente entorpecida. E isso bem poderá ser um nítido foco de nossa fé. Todos
possuímos nossas capacidades e adversidades; se com uma construímos a nossa
história, com a outra aprendemos a fazê-lo (bem como a tornarmo-nos cientes
daquilo que somos). Em todos os casos, ambas representam vantajosos ganhos, não
só para a solidificação de quem somos como também para a materialização da
imagem daquilo que ainda desejamos ser – sem jamais deixarmos de ser nós
próprios. E assim se vão esboçando as linhas da existência que somos.
Pedro Belo Clara.
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