Munimo-nos de diversas substâncias ao longo de nossa
existência, substâncias essas que se armazenam e se reflectem em nossas
memórias, comportamentos, crenças, discorreres e até em um simples relatar de
histórias vividas. De certa forma, se conseguirmos imaginar o Caminho como um
traçado rectilíneo, verificaremos que, à medida que o íamos percorrendo, fomos
vestindo e despindo inúmeras vestes, velhas personagens que não mais se proviam
de sentido ou, simplesmente, elementos de que dispusemos, desfrutámos e
celebrámos no auge de nosso amor para, mais tarde, mesmo antes de nossa
vontade, deles abdicarmos. Neste aspecto em concreto, emergem de nossas
recordações certas amizades perdidas no render das estações e até familiares ou
outros caros entes que o Tempo se encarregou de levar até um outro lugar (e por
vezes de uma forma tão célere). Certamente não desejaríamos ficar desprovidos
de tais rostos e peculiares perfumes, certamente desejaríamos dispor de mais
tempo para de tudo, uma vez mais, podermos desfrutar. Mas será que em algum
caso o tempo dispensado chega a ser suficiente? Quantos não rogam por
sucessivos adiamentos?
É aqui que nos deparamos com uma dura – mas valorosa –
lição: aceitar que certas ocorrências não se encontram sob o nosso controlo, de
que tudo dispõe, aqui, de um tempo limitado e que, mesmo que certos desígnios
possam não ser correspondidos por nossa mente racional, saber – com um saber de
Alma – que tudo ocorre e se desenrola mediante princípios superiores, aqueles
princípios que apenas operam com o intuito de harmonizar todas as partes
integrantes de uma certa situação – o dito “Bem maior”, a Universal Força que
actua quando nela depositamos nossas esperanças e opressões. E, se assim é,
porque não começamos a colocar de parte todos os nossos lamentos e queixumes e,
por um segundo apenas, olhamos em nosso redor e desfrutamos das cintilantes
luzes que aí refulgem? Também neste caso, o próximo passo reside em uma de duas
distintas opções: ou tomamos consciência dessas brilhantes luzes e por elas nos
sentimos gratos (sabendo, principalmente, o quão efémeras são) ou, em
alternativa, demoramos o nosso olhar somente pelas luzes que já se apagaram (ou
que ainda não foram acesas, fruto de futuros empreendimentos) e com isso constringimos
incessantemente o nosso frágil sentir. Porque só pensamos e nos angustiamos com
aquilo que nos falta e não sorrimos, soltos e leves, ao saber do que
“possuímos” e nos basta? (nota: coloco aspas na contracção do verbo «possuir»
pois, no fundo, o sentido de posse não se aplica aqui). Por vezes, temos de
ficar pobres apenas para compreendermos o quão ricos éramos… Mas também esses
ultimatos possuem a sua valência e propósito, claro, embora seja sempre
desejável aprender com os dias de Sol do que esperar pela vinda da Chuva,
aquela que, com suas avassaladoras enxurradas, nos revela todo o saber que
deveríamos ter retido. Mesmo assim, conhecemos as envolvências e os meio do
Caminho, pelo que certas lições somente a purificadora Chuva nos poderá ensinar.
Contudo, não obstante tudo isso, sei que, meus bravos e nobres irmãos, todos
somos verdadeiramente abençoados e iluminados, apenas temos de nos esforçar
para que essa luz possa ser, em nossas existências, encontrada e compreendida.
E, por certo, o seu terno conforto constituirá o tudo que nos bastará, por um
meio tão natural, nessa e em vindouras épocas.
Pedro Belo Clara.
Sem comentários:
Enviar um comentário