Ao longo de diversas etapas percorridas, somos alvos de vários
ciclos que se sucedem, momentos onde, se parca for ainda nossa ciência, dispomos
sempre da oportunidade de apreender algo ao escutar sábias palavras proferidas
por bocas alheias, um algo que nos poderá auxiliar a crescer em virtude e carácter
– a mais comum metamorfose de um caminhante. Contudo, é importante entender que
tais auxílios não vão além daquilo que eles próprios representam. Todos nos encontramos
aqui, neste lugar, a existir por entre as peripécias de uma realidade que nos
absorve, cumprindo um papel que há muito escolhemos representar por ser o ideal
para o nosso próprio desenvolvimento, o mais acertado para que a lapidação de
nós mesmos seja absoluta. Por isso, ao vivermos vidas únicas, compostas por
singulares ciclos que a existência atravessará, possuímos igualmente diferentes
abordagens e entendimentos sobre o Caminho em si, fruto de nossas peculiares
experiências e de seu factor residual – o saber. Tais aspectos moldam-nos, é
certo, mas importa entender que a final decisão reside sempre em nós. Se em tal
situação nos encontrarmos, convém então colocar pertinentes questões: gostamos
daquilo em que nos tornámos? Como poderemos alterar comportamentos que, no
fundo, não traduzem as palavras de nossos corações? Mas talvez esse seja um
assunto para abordarmos em uma outra oportunidade.
Mesmo que valioso seja entender o saber espremido de
dizeres vários, com sua válida partilha de sentimentos, relato de
acontecimentos ou experiências idênticas, jamais se deverá descurar o rumo que
por nós deve ser delineado e percorrido. Essas ajudas externas são mãos que nos
assistem o caminhar, mas só devemos realizar tal acto por nosso próprio pé (sob
pena de a suposta “ajuda” ser, no fundo, um factor meramente prejudicial).
Afinal, todo o aluno sabe que assistirá ao dia em que irá abandonar seu mestre
para seguir seu rumo, aquele que apenas por suas íntimas intenções será
revelado. Aprender é crescer, e crescer é aceitar a nossa luz e a nossa sombra,
escutá-las e definir futuras passadas (mesmo conhecendo a fonte de surpresas
que o Caminho é), sempre com a primordial missão em mente, aquela que todo o
caminhante possui, mesmo que não esteja ciente de tal “posse”.
Uma existência é, assim, composta por ciclos vários,
ciclos que são estações que atravessam nossos corações e neles plantam a sua
mais recôndita essência. Agora, mais do que nunca, evoco a ideia referida
algumas linhas acima: deveremos definhar apenas porque as folhas definham nas
árvores que se entregam à brisa outonal? Deveremos sucumbir apenas por que tudo
sucumbe à gélida neve que cobre o Inverno? Em nós – e em nós somente – habita a
escolha a ser assumida, pois tudo se resume à adopção de uma determinada
postura perante o evento que temos em mãos. Assim, em cada um dos ciclos de
nossas existências reside a oportunidade de granjear um saber mais amplo, uma
visão mais profunda sobre a Alma que somos e sobre as que habitam nos demais
corpos e de colocar à prova outros saberes e conceitos detidos. Formar-se-á e
consolidar-se-á, dessa forma, um carácter, as firmes linhas que percorrem as
fronteiras da tal personagem que assumimos e representamos. Vamos, a cada
passo, nos libertando de antigas dores (tão antigas quanto o sol e lua!) para
sermos tão leves quanto o vento que livre sopra, mas igualmente aptos a novos
encontros, novas partilhas, novos motivos de celebração (sem olvidar os que
ainda nos assistem!) e, claro, aprendizagens. No fundo, muitos rostos nos irão
cativar com suas ternas expressões e sábios dizeres; a cada etapa, deteremos um
mestre diferente, até que findo se encontre o ciclo (o mesmo é dizer: até que
nos tornemos mestres de nós próprios). E a humildade, que jamais é um sinónimo
de subserviência (antes um requisito para percorrer o Caminho Iluminado),
revela-se precisamente nesse entendimento e aceitação. Pois um mestre até
poderá ser íntegro e digno, seja qual for a sua postura no mundo social, mas
certas palavras ele ainda não conseguirá transmitir, apenas a mensagem que se
resumiu de sua história. Parece haver algo de indizível aqui, nestas belos
planos materiais, algo que nós tentamos encontrar e dizer por nossa boca – algo
que, no fundo, também podemos partilhar com o mundo.
Hoje já não somos o que éramos, mas ainda nos encontramos
em dista posição em relação àquela que um dia ocuparemos; daí a utilidade de
crescermos por nós e de por nossas palavras e actos nos definirmos (o que nunca
invalida o efeito das ditas “ajudas externas”). E, assim como nós um dia o
fizemos, outros o farão – por si próprios. Então, entenderão e redefinirão esse
saber que lhes foi legado, moldado à verdade que eles são. Mas será isso uma
deturpação? Apenas se pensarmos em nós como detentores da Verdade Absoluta…
Como poderá haver erro? Pois se cada parte encerra a sua verdade e essa mesma
partícula é essencial ao revelar da obra maior! Poderá haver desacordo, sim,
mas nunca erro (apela-se à nossa capacidade de respeito e de tolerância). Por isso,
sei que se atentas estiverem nossas percepções, vislumbraremos então parte do
rosto do Todo, aquele que divinamente se constitui pelas pequenas partes que nós
somos e ao qual, por fim, retornaremos; ou não fosse esse o motivo para tanto o
desejarmos descobrir, abraçar e compreender…
Pedro Belo Clara.
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