quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Coisas simples

É sublime o sabor que das coisas mais simples (ainda que em tantas ocasiões sejam renegadas) pode advir. Certo dia ou, sendo mais preciso, numa fresca manhã de Dezembro, eu era apenas mais um dos muitos indivíduos que esperavam (e desesperavam) numa longa fila de atendimento de um determinado estabelecimento comercial de Lisboa. Os minutos passavam e os números das senhas de atendimento, esses, esgotavam-se ao ritmo de um conta-gotas ocioso. Para ser franco, a minha urgência em ser celeremente atendido não era abundante, mas facilmente se compreendem os desígnios da impaciência em gentes de genes tão fogosos e genuinamente latinos, dos quais este belo povo lusitano é um óptimo exemplo. E foi rodeado destas circunstâncias que floriu a beleza de um gesto tão simples e sincero. Estando de pé, em espera e relativamente perto de minha pessoa, um simpático senhor aproximou-se (o seu esforço não foi grande, repito: estávamos perto um do outro) e perguntou-me qual era o número da minha senha. Concedendo-lhe eu, educadamente, uma resposta, amigavelmente me ofertou uma outra senha, com um número consideravelmente mais baixo do que o meu. Será escusado referir a gratidão que senti ao ser alvo de tal generosidade. Assim, enquanto aguardava a minha nova vez, decidi que aquela energia autêntica, casta e única não deveria permanecer estagnada em mim; eu tinha de a partilhar! A seu tempo, lá se concretizou o meu desejo. Estando já de saída, ostentando os vistosos sacos daquele estabelecimento, aproximei-me de um outro senhor (junto à porta de saída) e perguntei se os seus afazeres naquela loja seriam iguais aos meus, já que as senhas dividiam-se por categorias, consoante o tipo de produto a adquirir pelo consumidor. Confirmando tal suspeita, concedi ao bom homem a minha primeira senha. Tal como os meus, instantes antes, os seus olhos brilharam de gratidão; tanto, ao ponto de me desejar umas “boas e felizes festas” num tom de voz sincero. E, assim, aquele estranho e mágico ciclo foi deixado intacto, pelo menos durante a minha participação nele – iniciado por mãos incógnitas (quem me concedeu a senha tinha já, por sua vez, recebido uma outra), terminou, provavelmente, num outro alguém desconhecido. Mais importante que tudo isso foi a corrente energética que, em época natalícia e pelo mais singelo dos motivos, existiu e se instalou naquele espaço. É claro que as questões morais e de justiça equitativa também aqui se levantam: porquê conceder uma simples senha a este indivíduo e não a um outro? Quem somos nós para escolher quem deverá ser brindado com tal oferenda? Ambas são verdadeiras e correctas em seus intentos. Não somos nenhuns Deuses do Olimpo, nem regulamentamos as aleatoriedades dos acontecimentos ou a premeditação dos mesmos; somos Humanos, seres que acreditam que, por vezes, numa acção inocente, poderão realizar uma diferença significativa, seja pelo aparecimento de um sorriso ou no limpar de uma lágrima. E quem nega que, nesses momentos, uma Força superior e sábia nos domina e nos faz veículos de seus motivos luminosos? Afinal, a semente do Amor reside no interior de cada Homem, e é de sua exclusiva opção e responsabilidade plantá-la nas bermas do quotidiano Caminho.



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