É deveras usual e, de certa forma, compreensível que, à medida
que progredimos no Caminho, povoem as nossas mentes pensamentos que invocam o
porquê de tamanha viagem, a razão de um certo percurso, de uma peculiar via, de
determinada ocorrência. Questionar é, na realidade, um dos actos mais
reveladores e impulsionadores do nosso crescimento. É, além disso, uma pequena
semente que em nós se plantou desde o dia em que iniciámos a jornada. A
diferença reside apenas entre aqueles que a decidiram cultivar e os que a
remeteram ao abandono e ao olvido.
Entenderemos que muito se estende, prolifera e pulsa muito para
além da ilusão das coisas. Toda a origem se queda em nós, mesmo que adormecida.
Tudo é sabido; apenas de momento não o é recordado. Tal poderá ser, ainda
assim, questionado, mas no caminhante mais atento e receptivo desabrochará algo
tão forte quanto a fé, a singular génese da entrega. E cada um de nós constrói,
de forma particular, os motivos da mesma. Independentemente das vias escolhidas,
pois cada existência a isso mesmo se resume, a escolhas, nunca deixámos de ser
as pequenas gotas de água que intimamente desejam regressar ao infinito oceano
de onde foram derramadas. Mas é justo que se realce: a cada um pertence as suas
próprias conclusões, pois todos somos, por vias distintas, cultivadores de
diversos pomares.
Poder-se-á, assim, indagar o motivo dos motivos, a razão mais
primordial de todas… E entender que bem antes da mente compreender, já a Alma sabia
e detinha esse saber como uma íntima e preciosa relíquia. Existe uma grande
aprendizagem em esquecer o caminho de casa, apenas para que de novo este seja
reencontrado. É o tesouro que sempre possuímos e que devemos perder, somente
para de novo o encontrar. Além disso, a origem, a primordial Unidade, apenas se
justifica na manifestação de suas extensões, isto é, na criação da matéria e
nas tão distintas experiências que proporciona. Essa história, tão bela e
profunda, encontra-se impressa em cada alma, em cada coisa que vive. E adorna o
Caminho com a sua deveras cativante essência, pulverizada em cada encontro e
desencontro, saudação, diálogo, contemplação… Bebemos o néctar do olvido apenas
para que de novo pudéssemos recordar. E em toda a gota de água que se escorre
pelos recantos do mundo pulsa tal coisa, pois a água que a compõe, apesar de
distinta na forma, é em essência igual à de seu semelhante – sendo, por sua
vez, idênticas à da fonte que as jorrou. A separação é uma mera ilusão. No
âmago de cada coisa se manifesta a parte mais sagrada de si, por aí mesmo ela
existir, unindo-a à sua divina origem.
É claro que cada viajante percorre o seu solitário rumo, ainda
que nunca esteja verdadeiramente só. E, ao longo do mesmo, queima etapas que
somente o engrandecerão – os degraus de sua ascensão. Quem vê o oculto Bem de
todo o sucedido, confia em seu percurso. E quem confia, entrega-se. Essa é a
via da Fé, uma entre tantas outras. Cada processo levar-nos-á até outras
paragens, inóspitas ou não, mas por certo o próximo desenvolvimento do percurso
que o caminhante decidiu vivênciar. E, sublinho, tal decisão é assumida a um
nível bem mais profundo, ditada e firmada em clara sabedoria. A Unidade, ao se
dividir, justifica-se; com isso, surge a dualidade, juntamente com o proliferar
da restante criação. Assim surge a matéria, a forma que receberá as gotas
etéreas, que em seus recipiente caminharão pelo imenso palco de um mundo
deveras diverso. Em cada viagem, uma personagem; e todas serão criadas em nome
da experiência e da pessoal evolução. Assumimos a sua condição quando definimos
a nossa postura perante a Vida em si, tomando um de diversos caminhos que não
são, claro está, exclusivos ou perenes. E caminharemos… Até se findar a jornada
e a centelha se reunir à chama de onde proveio.
Entre todas essas coisas, é claro, muito mais ainda se detém.
Entre o Céu e a Terra, inúmeras coisas vivem, pulsam e existem… Assim o é, na
mesma exacta forma. Por isso, em cada caminhada, em cada etapa vencida e
alcançada, o viajante muito experiencia. A forma como o faz, apenas depende
dele. É essa, de igual maneira, a sua prova. O mais sábio de todos saberá que
no centro da tempestade que o assola encontrará refúgio, por este ser calmo e
sereno, ao invés do chorrilho que as emoções exacerbadas provocam… Nessas
águas, muitos se poderão afogar. Mas até isso será aprendizagem. O cansaço
assomará esse fatigado viajante, rendido, tornando pesado o erguer de um só
dedo. Sentir-se-á esgotado em sua Alma, desprovido de forças, incapaz de se
erguer, de novo, após futuras quedas… Mas até isso é aprendizagem. Não estará
sempre, junto dele, uma mão aberta, mesmo que não a saiba ver? Não terá sempre
a hipótese de transcender, mesmo que julgue não saber como? Não terá o tempo
para pedir o que mais necessita, para que depois lhe possa ser dado? Quem vê o
oculto Bem de todo o sucedido, confia… E quem confia, entrega-se.
Mas, no centro da tempestade, terá o lugar ideal para a sua
vigília, enquanto medita e constrói a sua decisão, enquanto o rodar do ciclo de
sempre continuar a fermentar as suas causas e efeitos. Eis a segunda opção.
Mas, seja qual for o rumo seguido, se não olvidar a razão de seu caminhar, após
todas as turbulências que por certo passará, as que apenas o testarão e
instruirão, surgirá, por fim, a hora da transmutação maior. Aí, descobrirá
forças que julgaria impossíveis, desconhecidas por sua ainda limitada visão.
Depois, no seguinte sopro, o processo
evoluirá e se completará. E nova etapa ter-se-á consumido, um novo degrau terá
sido conquistado na longa escadaria que se inicia no íntimo de cada viajante,
espraiando-se até às margens do Eterno.
Onde reside a via da Fé, encontra-se a do Amor, da Compaixão, da
Sabedoria, da Transcendência… E poderá o viajante dedicar-se a uma só? Não
ficará ele sabedor de cada preceito? Ainda que toda a natureza seja exclusiva e
singular, ela, por ser uma parte, compõe o infinito manto que reveste o Todo.
Somos, sem dúvidas obscuras, pequenos seres especiais e únicos, desde a
diversidade que nos habita a cada gesto peculiar e forma de entendimento e
reacção. Não é, por isso, a experiência em si que despoleta tal coisa, pois ela
poderá ser comum a muitos de nós. A curiosidade maior, antes fascínio para quem
a observa, reside no impacto que cada uma cria em nós e na nossa íntima maneira
de com isso lidar. Através desse acontecimento, definimos a forma de
recebimento (que, desde já, volta a comportar uma escolha), de aprendizagem e
de como permitiremos que se impulsione o desenvolvimento do ser que somos.
Pois, após inúmeras viagens, sobejam sempre remanescentes que nos poderão
impedir de caminhar: pesos a libertar, dívidas a saldar, feridas a serem saradas
– eis o que nos poderá limitar o acesso ao próximo degrau do processo
evolutivo. Mas até isso, claro está, é aprendizagem.
Com maiores ou menores envolvências, escolhas assumidas ou
arrependidas, seguiremos rumo ao horizonte de sempre. Seja qual for a via
escolhida, da qual façamos a nossa maior bandeira. Se continuarmos a desvendar
e a crer no Bem oculto de todas as coisas, seja pelo Amor, Compaixão, Brandura
ou Paciência, fomentaremos a nossa crença. E aquele que confia, é certo, esteja
onde ele estiver, exerce e pratica o despojo maior – a renúncia e a entrega.
Pedro Belo Clara.
Sem comentários:
Enviar um comentário