segunda-feira, 1 de abril de 2013

CAMINHOS DE ASCENÇÃO



É deveras usual e, de certa forma, compreensível que, à medida que progredimos no Caminho, povoem as nossas mentes pensamentos que invocam o porquê de tamanha viagem, a razão de um certo percurso, de uma peculiar via, de determinada ocorrência. Questionar é, na realidade, um dos actos mais reveladores e impulsionadores do nosso crescimento. É, além disso, uma pequena semente que em nós se plantou desde o dia em que iniciámos a jornada. A diferença reside apenas entre aqueles que a decidiram cultivar e os que a remeteram ao abandono e ao olvido.

Entenderemos que muito se estende, prolifera e pulsa muito para além da ilusão das coisas. Toda a origem se queda em nós, mesmo que adormecida. Tudo é sabido; apenas de momento não o é recordado. Tal poderá ser, ainda assim, questionado, mas no caminhante mais atento e receptivo desabrochará algo tão forte quanto a fé, a singular génese da entrega. E cada um de nós constrói, de forma particular, os motivos da mesma. Independentemente das vias escolhidas, pois cada existência a isso mesmo se resume, a escolhas, nunca deixámos de ser as pequenas gotas de água que intimamente desejam regressar ao infinito oceano de onde foram derramadas. Mas é justo que se realce: a cada um pertence as suas próprias conclusões, pois todos somos, por vias distintas, cultivadores de diversos pomares.

Poder-se-á, assim, indagar o motivo dos motivos, a razão mais primordial de todas… E entender que bem antes da mente compreender, já a Alma sabia e detinha esse saber como uma íntima e preciosa relíquia. Existe uma grande aprendizagem em esquecer o caminho de casa, apenas para que de novo este seja reencontrado. É o tesouro que sempre possuímos e que devemos perder, somente para de novo o encontrar. Além disso, a origem, a primordial Unidade, apenas se justifica na manifestação de suas extensões, isto é, na criação da matéria e nas tão distintas experiências que proporciona. Essa história, tão bela e profunda, encontra-se impressa em cada alma, em cada coisa que vive. E adorna o Caminho com a sua deveras cativante essência, pulverizada em cada encontro e desencontro, saudação, diálogo, contemplação… Bebemos o néctar do olvido apenas para que de novo pudéssemos recordar. E em toda a gota de água que se escorre pelos recantos do mundo pulsa tal coisa, pois a água que a compõe, apesar de distinta na forma, é em essência igual à de seu semelhante – sendo, por sua vez, idênticas à da fonte que as jorrou. A separação é uma mera ilusão. No âmago de cada coisa se manifesta a parte mais sagrada de si, por aí mesmo ela existir, unindo-a à sua divina origem.

É claro que cada viajante percorre o seu solitário rumo, ainda que nunca esteja verdadeiramente só. E, ao longo do mesmo, queima etapas que somente o engrandecerão – os degraus de sua ascensão. Quem vê o oculto Bem de todo o sucedido, confia em seu percurso. E quem confia, entrega-se. Essa é a via da Fé, uma entre tantas outras. Cada processo levar-nos-á até outras paragens, inóspitas ou não, mas por certo o próximo desenvolvimento do percurso que o caminhante decidiu vivênciar. E, sublinho, tal decisão é assumida a um nível bem mais profundo, ditada e firmada em clara sabedoria. A Unidade, ao se dividir, justifica-se; com isso, surge a dualidade, juntamente com o proliferar da restante criação. Assim surge a matéria, a forma que receberá as gotas etéreas, que em seus recipiente caminharão pelo imenso palco de um mundo deveras diverso. Em cada viagem, uma personagem; e todas serão criadas em nome da experiência e da pessoal evolução. Assumimos a sua condição quando definimos a nossa postura perante a Vida em si, tomando um de diversos caminhos que não são, claro está, exclusivos ou perenes. E caminharemos… Até se findar a jornada e a centelha se reunir à chama de onde proveio.

Entre todas essas coisas, é claro, muito mais ainda se detém. Entre o Céu e a Terra, inúmeras coisas vivem, pulsam e existem… Assim o é, na mesma exacta forma. Por isso, em cada caminhada, em cada etapa vencida e alcançada, o viajante muito experiencia. A forma como o faz, apenas depende dele. É essa, de igual maneira, a sua prova. O mais sábio de todos saberá que no centro da tempestade que o assola encontrará refúgio, por este ser calmo e sereno, ao invés do chorrilho que as emoções exacerbadas provocam… Nessas águas, muitos se poderão afogar. Mas até isso será aprendizagem. O cansaço assomará esse fatigado viajante, rendido, tornando pesado o erguer de um só dedo. Sentir-se-á esgotado em sua Alma, desprovido de forças, incapaz de se erguer, de novo, após futuras quedas… Mas até isso é aprendizagem. Não estará sempre, junto dele, uma mão aberta, mesmo que não a saiba ver? Não terá sempre a hipótese de transcender, mesmo que julgue não saber como? Não terá o tempo para pedir o que mais necessita, para que depois lhe possa ser dado? Quem vê o oculto Bem de todo o sucedido, confia… E quem confia, entrega-se.

Mas, no centro da tempestade, terá o lugar ideal para a sua vigília, enquanto medita e constrói a sua decisão, enquanto o rodar do ciclo de sempre continuar a fermentar as suas causas e efeitos. Eis a segunda opção. Mas, seja qual for o rumo seguido, se não olvidar a razão de seu caminhar, após todas as turbulências que por certo passará, as que apenas o testarão e instruirão, surgirá, por fim, a hora da transmutação maior. Aí, descobrirá forças que julgaria impossíveis, desconhecidas por sua ainda limitada visão. Depois, no seguinte sopro,  o processo evoluirá e se completará. E nova etapa ter-se-á consumido, um novo degrau terá sido conquistado na longa escadaria que se inicia no íntimo de cada viajante, espraiando-se até às margens do Eterno.

Onde reside a via da Fé, encontra-se a do Amor, da Compaixão, da Sabedoria, da Transcendência… E poderá o viajante dedicar-se a uma só? Não ficará ele sabedor de cada preceito? Ainda que toda a natureza seja exclusiva e singular, ela, por ser uma parte, compõe o infinito manto que reveste o Todo. Somos, sem dúvidas obscuras, pequenos seres especiais e únicos, desde a diversidade que nos habita a cada gesto peculiar e forma de entendimento e reacção. Não é, por isso, a experiência em si que despoleta tal coisa, pois ela poderá ser comum a muitos de nós. A curiosidade maior, antes fascínio para quem a observa, reside no impacto que cada uma cria em nós e na nossa íntima maneira de com isso lidar. Através desse acontecimento, definimos a forma de recebimento (que, desde já, volta a comportar uma escolha), de aprendizagem e de como permitiremos que se impulsione o desenvolvimento do ser que somos. Pois, após inúmeras viagens, sobejam sempre remanescentes que nos poderão impedir de caminhar: pesos a libertar, dívidas a saldar, feridas a serem saradas – eis o que nos poderá limitar o acesso ao próximo degrau do processo evolutivo. Mas até isso, claro está, é aprendizagem.

Com maiores ou menores envolvências, escolhas assumidas ou arrependidas, seguiremos rumo ao horizonte de sempre. Seja qual for a via escolhida, da qual façamos a nossa maior bandeira. Se continuarmos a desvendar e a crer no Bem oculto de todas as coisas, seja pelo Amor, Compaixão, Brandura ou Paciência, fomentaremos a nossa crença. E aquele que confia, é certo, esteja onde ele estiver, exerce e pratica o despojo maior – a renúncia e a entrega.



Pedro Belo Clara.




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