Ainda que trilhemos um
solitário rumo, tal não significa que estejamos sós ao longo do mesmo. Não me
refiro apenas ao prazer único que a nossa própria companhia proporciona ou às
luzes que brilham em redor da existência, mas igualmente à presença de nossos
amigos e familiares, rostos que nos recebem e que no decorrer desta incrível
viagem vamos conhecendo. Mesmo que o Caminho seja interno e, por consequência, deva
ser trilhado pelo nosso próprio pé, desfrutaremos de tão deleitosas companhias
até que tudo se cumpra, até que sejamos não só o Caminho que percorremos como o
Infinito em que ele se funde.
Todo o processo é planeado, mesmo
que isso comporte algo que ainda não compreendamos ou saibamos aceitar; todas
as vias possíveis estão definidas – ainda que a escolha resida em nós. Tudo o
que nele ocorre, assim, serve um propósito evolutivo, compreendido por etapas
que nos ofertam hipóteses de crescimento e de cumprimento de antigas dívidas. Mesmo
que, por diversas ocasiões, coisas tais se venham a revelar desagradáveis. Mas,
no fundo, tais pedras apenas nos guiam à maior de todas as fontes, onde a nossa
sede pode em pleno ser finalmente saciada. E é nesta óptica que as relações
mantidas com terceiros, ao longo de uma particular existência, se revelam como
uma de suas valências.
Bem sabemos dos encontros e
desencontros, créditos e débitos de outras viagens, aspectos que, de forma mais
ou menos indelével, se fincaram em nós. Por isso mesmo, são circunstâncias que
importa resolver – a nossa própria leveza ou elevação do ser que somos depende
disso mesmo. Em prol de uma contínua evolução somos levados a perdoar,
libertar, transcender… Cada existência comporta uma íntima história que o autor
da mesma deve conhecer. E nessas bases se originam as relações, ao nos
rodearmos das certas pessoas que detêm os certos aspectos para nosso
crescimento – e vice-versa, pois também nós desempenhamos esse papel para com
terceiros. Tal poderá ser compreendido pela família em que nascemos, mas
igualmente por todas as pessoas que cruzarão o nosso rumo. Nada é um mero
acaso: importa entender e aceitar tal coisa. Uma visão mais profunda e
reflectiva sobre a vida em si, trará ao de cima esse aspecto. É uma certa
“aleatoriedade” que se oculta na lógica da vida em si, em sua inteligência
expressa, por motivos nem sempre bem compreendidos – mas que sempre se
manifestam em nosso favor (aceitar é transcender).
Possuímos certas carências ou
comportamentos que aparentam ser inatos, mas que apresentam raízes mais antigas
e profundas. Com o objectivo de os ultrapassar e, como consequência, aprender e
evoluir, é-nos dado aqui, nesta nova experiência que não passa de um regresso,
tudo o que mais necessitamos: desafios, testes, oportunidades ou a simples
presença de indivíduos com as características necessárias para nos prestar um
auxílio valioso. Através de pensamentos e atitudes, bem como de decisões,
atraímos até nós e moldamos uma realidade específica. E isso também se aplica
aos nossos conhecimentos, amigos de longa ou curta data e relacionamentos de
índole amorosa. Muitas vezes, é aí que se oculta o maior dos desafios: uma
união a dois.
De certa forma, muitos de
nós, viajantes, ignoram a vera bênção que comporta um relacionamento amoroso,
uma partilha de vidas e mundos… Pois ela é, no fundo, a manifestação terrena de
uma dádiva absolutamente divina. E o trilho nem sempre é brando ou fácil de ser
seguindo. Por vezes, perdemo-nos em doces ilusões, típicas dos contos infantis
que tantas crianças fazem sonhar, e olvidamos a realidade de cada coisa,
nomeadamente que a perfeição de alguém reside no equilíbrio da sua singular
imperfeição. Mas de toda a situação se extrai a valiosa aprendizagem. No fundo,
adoptando uma visão mais distanciada e global, sempre benéfica em horas de
imenso tumulto, entendemos que na despedida de um certo amor mora sempre um
«até já» e o anunciar de um novo aroma ou vislumbre ou canção. Ainda que tal,
na época em causa, sempre nos pareça terrivelmente inalcançável ou até mesmo
impossível. Mas até o mais longínquo dos dias acaba por chegar; a Vida é justa
em sua natural e fluida sapiência e encontra-se em constante mutação. Basta
acreditar.
Os “grandes amores” comportam
sempre grandes responsabilidades, grandes aprendizagens, grandes vivências… A
comunhão pode mesmo ser profunda, atingindo níveis de alma – há uma expressa
diferença entre amor espiritual e amor material ou carnal. Mas esses “grandes
amores” são deveras árduos de serem achados… Aliás, eles não se buscam nem se
conquistam – simplesmente vêm até nós, como uma pétala de rosa pelo vento
soprada que, docemente, vem pousar por sobre o ombro de nossa existência quando
menos esperamos ou menos dignos, em erro, nos julgamos. Mas a união de duas
almas e seus corpos deve ser benéfica para ambos. Relacionamentos manipuladores,
abusivos ou destrutivos em nada contribuem para a serenidade pretendida e
respectivas evoluções – a sua maioral intenção. Procura-se antes o apresentar
de oportunidades de partilha, de saldar antigas dívidas e, claro está, de
aprendizagem e ensinamento. É comum vermos um carácter sonhador encontrar a sua
âncora em personalidades mais pragmáticas, por exemplo. Em todo o caso, sabe-se
que, na união mais equilibrada, o Fogo encontra na Água a sua brandura … Assim
como a Terra e o Ar, de tão opostos, compõem duas partes de um todo, fundindo-se
na sua diferença: um, naturalmente livre e vagabundo, e outro, tão quedado e
fértil. Mas, em caso de relacionamentos já deteriorados, sem qualquer hipótese
de reparo, impõe-se a coragem necessária para findar tais relações da forma
mais justa e respeitosa possível. Tudo é efémero, sim; como tal, a duração de
certas etapas nem sempre correspondem ao que idealizamos. Sem cair numa fácil
capitulação, é importante entender até que ponto não mais serve tal união…
Geralmente, quando ambos cessam os benefícios que o «dar e receber» do casal
proporcionavam. Se essa hora chegar, que se curem as feridas e com um sorriso
de esperança se abram os braços àquilo que a maré dos dias vindouros trará até
às nossas margens.
Nada de mais belo há do que
partilhar as maravilhas e as obscuridades de nosso mundo íntimo com a pessoa
que veramente amamos. E, na mesma medida, estarmos dispostos a amar e a
respeitar aquelas que connosco forem partilhadas. Neste simples aspecto, o ego
manifesta-se muito facilmente, toldando percepções e envenenando a dócil beleza
que o relacionamento pudesse proporcionar. Mas com a vinda de novos dias, com
as iminentes aprendizagens, com todo o potencial que se vai desenvolvendo, vai
chegando a hora de transmutar comportamentos, de consolidar aprendizagens…
Deixar, por fim, esse egocentrismo de ser e agir. Não ao foque em nós, mas no
outro – eis o que tão vulgarmente nos escapa. Talvez seja essa mesma a
derradeira forma de altruísmo, a vera filantropia; por certo, um dos seus
máximos expoentes. E tal entrega só se revela possível quando se ama… Quando
veramente se ama. Pois um casal encerra em suas mãos, de forma definitiva, a
hipótese de concretizar a terrena manifestação da mais bela e pura (se assim
for mantida e cuidada) das magias que ao Homem é dada a experiênciar – o Amor.
Pedro Belo Clara.
" A comunhão pode mesmo ser profunda, atingindo níveis de alma – há uma expressa diferença entre amor espiritual e amor material ou carnal. Mas esses “grandes amores” são deveras árduos de serem achados… Aliás, eles não se buscam nem se conquistam – simplesmente vêm até nós, como uma pétala de rosa pelo vento soprada que, docemente, vem pousar por sobre o ombro de nossa existência quando menos esperamos..."
ResponderEliminarNão preciso acrescentar mais nada, disseste tudo...é uma profunda meditação :) Beijinhos Sandy
Feliz por tua visita, leitura e comentário... Volta sempre =) Beijos.
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