O sol despontou, abençoou a vida em seu redor e a jornada do
viajante se iniciou. Longo será o seu percurso, solitário também; mas disporá,
se cultivar em si a visão, de todos os elementos necessários à concretização de
seus propósitos e à própria evolução do Ser em causa. É esse um dos tesouros
que encerra em si e que, no começo de sua viagem, olvidou – assim como a ideia
de que é parte ínfima de um Todo infinito. Tais sentires, que serão certezas
para a sua Alma, concederão ao viajante sabedor um doce conforto, catalizador
de sua crença e fomentador de paz e equilíbrio. Não teme o negro fundo do poço
aquele que sabe, em sua verdade, o que lá o espera – e toda a realidade se
molda pela pessoal visão que se projecta em cada coisa.
Mas, as diversas etapas que o esperam, não são detentoras de um
vazio despropositado ou completamente absurdo. São, em sua vez, nuvens que,
sucessivamente alcançadas e domadas, o guiarão até à morada das estrelas. Nesse
percurso (ou, melhor dizendo, ao longo do mesmo), é comum questionar-se a finalidade do mesmo. Isto é: o motivo de todo
o palmilhar, a razão que sustenta a viagem, a génese de todo o primordial
impulso que o impeliu a realizar algo que já não recorda. A pequena gota de
água separou-se do oceano que a albergava, onde era una com todas as demais
gotas que, juntas, compunham o oceano em si, apenas para que de novo a ele
pudesse regressar. Não foi já tal coisa dita e partilhada? E o oceano? Deixará
de existir ao se saber desprovido da sua preciosa gota? Ambos vivem um no
outro, ambos são uma coisa só. E nunca cessarão a sua existência. Mas, qual o
porquê da partida? O que causa a separação? Porque se distende o que antes estava
unido? Por punição? Por desprezo? Por consequência de mesquinhas calúnias?
Essas ilusões assombrarão as mentes que se auto-limitarem, mas num Universo de
Amor tais ideias são finos espectros que desvanecem à luz da crença e do
esclarecimento. Recordo: todo o caminho é um escolha e suporta a sua causa. Mas
a sabedoria íntima, ganha através de muitas vivências (ainda que essa não seja
uma via exclusiva), é uma luz imensa, deveras fascinante e profunda… E também
se poderá resumir a isto: experiência. Eis a razão maior. Tudo será recordado,
toda a verdadeira realidade será revelada quando a gota de água se fundir no
seu eterno oceano, quando a centelha de luz retornar ao seu sol, quando o filho
que há muito partiu regressar a casa de seus pais – simples metáforas para os
caminhos da existência e suas finalidades, aqui vistos através da mais simples das
formas.
Ainda que os rumos difiram entre os inúmeros caminhantes que os
delineiam, a causa global é comum. Todos somos as partes de um Todo aqui
projectado, por ilusões divido e apartado. Assim, antes de beber o elixir do
esquecimento, o viajante definirá o seu rumo até à origem, mesmo que isso
signifique o assumir da dúvida mais abrangente e o suprimir de toda a crença.
Pois também essa decisão é um caminho, e esse caminho é certamente passível de
ser trilhado. Por mais díspares que possam ser, desembocam todos no mesmo
lugar: o Infinito. Pois o Céptico e o Religioso, assim apresentados pela
dualidade deste mundo, são também eles uma coisa só – como o Grande e o
Pequeno, o Alto e o Baixo, a sua Esquerda e a sua Direita. Se se entregar nos
braços da Vida, confiando nas forças que brandamente a regem – aquelas energias
superiores ao próprio viajante, mas das quais também ele é parte integrante – encontrará
aí uma suave via para atingir o seu propósito. Mas, como referi, essa é apenas
uma mera direcção, uma pequena pétala de uma só rosa. Toda a direcção serve o
mesmo fim, toda a pétala compõe a doce formosura de uma rosa.
Entre esses tempos de chegada e partida, pois a existência
material é um simples sopro, célere e efémero, contam-se as diversas etapas a
cumprir, a alta escadaria que em seu percurso o viajante irá subir, até ser
recebido, de braços bem abertos, no Mar de Luz que o espera. A diversidade por
ele experimentada será, de facto, vasta, fazendo jus à sua própria
nomenclatura. Mas que não olvide ele o principal: o que é, é-o por uma sólida
razão. As experiências serão, por isso, causadoras das mais amplas sensações e
aprendizagens. À medida que certos impactos sejam causados, tanto nele como em
nós (pois que somos nós, leitor, senão os caminhantes de uma grande jornada,
seus semelhantes em condição?), as impressões que restarem, essa maré que traz
pensares e conclusões até às margens de nosso Ser, impulsionarão certos padrões
de comportamento que serão, a seu tempo, consolidados. Importa, pois, ao mais
avisado dos viajantes, entender cada um deles, avaliá-los e julgá-los,
escolhendo o que poderá ser melhor para a sua existência, para a história que
de momento se encontra a escrever. Apenas aqui poderá ele ser detentor do
direito de julgar: sobre o que deve ou não entrar no capítulo de sua
existência, de forma tão branda quanto a brisa afaga as folhas do grande
carvalho. Poderá, assim, escolher o seu padrão, a sua rota de acção ou até
mesmo de passividade ou entrega, desde o mais complexo dos roteiros ao mais
simples e desapegado ideal de experiência. Como nos demais casos e hipóteses, é
uma opção. Pois tudo depende da perspectiva de cada um de nós, do olhar
adoptado perante cada coisa nova, das razões que motivam o que fazemos e o que
escolhemos. E, uma vez identificado, ou o consolidará ou o transmutará,
quebrando a velha ligação e cultivando uma nova.
Ser ou estar consciente é, numa primeira fase, saber colocar
tais questões e encontrar as suas devidas respostas. Poderá entender que se perderá
no devaneio turbulento das emoções sentidas e, como tal, escolher uma vivência
longe do seu extremo. Aí, estará a sua escolha. No entanto, poderá considerar
que essa plenitude de sentires é a última peça da sua experiência. Assim,
decidirá aproveitá-la. Ou, ainda, ser mais brando e experiênciar o «melhor dos
dois mundos». A analogia é clara: três homens estão sentados à mesma mesa,
bebendo da mesma garrafa de vinho. Contudo, ambos o saboreiam de formas
distintas. Um, mal recebe o primeiro gole, de pronto o cospe, não desejando
entrar nas expirais embriagantes. Outro, muito menos comedido, esvazia o seu
cálice de um trago e deleita-se já com as maravilhas de uma segunda garrafa. O
último, por sua vez, deseja deliberadamente saborear o vinho, embora não intente
tombar nas mais ébrias tentações. Os mesmos elementos, mas personagens
diferentes… Causas idênticas, efeitos distintos. Estar consciente é entender o
efeito do vinho, à partida, e suas implicações. O resto… é escolha. O guerreiro
que opta pela batalha, quando a sua escolha é definível, questiona-se:
«granjeio protecção para a batalha por ser sensato ou por temer a dolorosa
ferida?». Dessa mesma forma, o faminto que desconfiar do pão que lhe for
servido, desde logo o estará a envenenar. Eis a perspectiva e o comportamento
perante os sucedidos. Serão esses que guiarão o viajante até ao término de sua
jornada, no tempo em que todas as estações se findarem, fazendo-o cumprir o
propósito a que se dispôs. Quão maravilhado ficará quando entender, em sua Alma,
que cada gesto, cada toque ou sopro o conduziu àquele esplendoroso momento…
O que estará, então, no final de todos os seus rumos, quando os
diversos trilhos se unirem num só espaço, num só destino? Para muitos, a
Liberdade, a Felicidade, o Amor, a Compaixão, a Redenção… Estarão erradas essas
idealizações? Não, em essência… Ainda que todas sejam pedaços da mesma
tapeçaria, são igualmente, aqui, em sua forma reconhecível, ventos que sopram, ventos
que vão e vêem. Desprovidas de eternidade, a centelha que lhes preencheria e que
delas faria Unidade, são fugazes estados de ser, arquétipos que o viajante
experiência e assume, ainda que não os mantenha de forma perene. Fazem parte da
experiência, sim, mas são igualmente requisitos de algo superior, uma vez que
com suas linhas se tece o Infinito. Seja qual for a razão da busca de um
caminhante, para o seu íntimo parecer ela será a sua finalidade, enquanto se
demorar pelos campos da matéria que o ampara. Cada um buscará aquilo que dentro
de si mais veemente pulsar, implorando desbravamento, impulso ou conquista.
Mas… o que dizer do sábio que opta por renunciar ao mérito que lhe é justo e
devido, transmitindo-o aos demais, no auge de seu amor e compaixão? Não saberá
ele que algo mais infindo o espera? Não será ele, por ser precisamente aquilo
que é, motivo de inspiração para o seu semelhante? Um farol capaz de iluminar a
mais tenebrosa escuridão? Uma firme mão que se desflora em expresso auxílio?
Quem abre os braços a essa renúncia, encontra-se muito além do que motiva a
experimentação… Pois vive no Eterno, tendo ele próprio, consciente disso mesmo,
o Eterno em si.
Muitos de nós poderão considerar tais ideias como sendo a meta
da viajem que empreendem. De facto, para muitos são aquilo que a impulsionam:
encontrar, um dia, o Amor, saborear o vento da Liberdade, sentir o sorriso da
Felicidade. Essas são as razões que urgem ser encontradas e justificadas, no
que ao seu entendimento diz respeito. Mas, quando o viajante os detém junto de
si e dentro de si, não entenderá ele que tais sentires mais não são do que
efémeros estados? Uma condição aliada à matéria, onde tudo é mutável e
passageiro, e que se assemelha às estações, onde tudo se sucede e é sucedido? Quando
o viajante for ainda mais fundo em sua busca, quando alcançar lugares ainda
mais interiores, entenderá, por fim, que a vera finalidade, respeitante aos
estados de ser, ou o término de sua longa jornada, é a própria Plenitude. Só
esta paira sobre todos os ciclos, sendo mais do que vazio resultante do
desapego e do despojo (que para muitos é a finalidade); só esta, de tão árdua
conquista e manutenção, se queda para além de tudo o que é dual. Eis o aspecto
diferenciador: a dualidade, característica intrinsecamente material. Onde
coabita o Amor, existe a Dor; na Liberdade vive o Encarceramento; a outra face
da Felicidade é a Infelicidade. A Plenitude, por sua vez, é a cortina que
descerra uma paisagem infinita. Embora aqui, neste plano tão familiar, também
ela se possa fazer sentir através de uma sensação de preenchimento luminoso e
de constante fluidez, serena e branda. Muitos saboreiam esse fruto através da
contemplação, que mais não é do que um mero estado meditativo. Mas qualquer
sentir será apenas a projecção de algo sobejamente superior, assim como o é com
tudo o que de mais sentimos. Mas isso, é certo, não invalida a sua
experimentação.
A emoção é algo de inconcebível no outro lado do véu que separa
este lugar do lugar onde o viajante teve origem e terá o fim de sua caminhada.
Assim, como os sentires poderão aí subsistir? Cessa o dual, inicia-se a
infinidade. Aliada a seu par, a Paz, a Plenitude cobrirá a Alma com o mais
reluzente dos mantos. E aí estará a desejada eternidade.
Pedro Belo Clara.
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