A primeira forma de ingratidão:
o desejo.
Só anseia quem em carência vive,
só deseja quem pobre se sente.
À matéria estende a mão e a enlaça
a experiência, que fuga não permite,
mas experimentar somente significa
o desfrutar da feliz ocasião.
Prova e saboreia sem apego.
Quem se apega anseia possuir,
e é pela posse que admite
a pobreza em que julga viver.
Tudo é vazio em si e deveras precioso
para ser desperdiçado em fantasias.
Não acalentes culpas, porém
– até os de passada mais tranquila
tropeçarão enquanto o coração
permitir que nuvens o cubram.
Chegará a hora em que tudo se clareará,
como em noite de lua roliça:
todo o desejo, toda a partilha imposta,
toda a fala puxada em esforço
somente fora uma desesperada fuga
à quietude mais profunda.
Quando te reconheceres no que és,
mais fundo do que julgavas ser,
saberás a fuga tola: ninguém se aparta
da realidade de si mesmo.
(Imagem de: positivelife.ie)
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