Ao apresentar o seu carácter circular, compreendemos que na Vida
tudo se sucede e é sucedido. O fluxo é constante e não cessa; é um rio que, ao
seu próprio ritmo, corre para os braços do mar que o espera. E, nele, se assim
permitirmos, fluiremos nós, viajantes por íntima natureza, caminhantes neste
longo Caminho que nos recebe. Mas, como em tantas outras ocasiões vos falei,
esta premissa assenta sobre uma decisão individual, uma postura perante as
situações ocorrentes. No fundo, será a partir daí que nossa visão se formará e
se reproduzirá. Não existe, obviamente, um «certo» ou «errado», apenas visões
compreendidas em diferentes ângulos de absorção que, unidas, recriarão a
completa imagem que sempre nos escapa.
Neste percurso de conquistas, ambições e planeamento de
objectivos, se efectivamente o considerarmos como tal, onde poderá residir o
espaço para os nossos desejos? Deveremos sequer possui-los? Ou simplesmente
celebrar a Vida pelo singular milagre que ela é? De novo sublinho: todos esses
aspectos são frutos de uma pessoal visão; e, aqui, por minha vez, apenas vos
poderei apresentar a minha. Porque múltiplos são os frutos que vos vão sendo
ofertados, cabe a vós mesmos saber quais saciam, de forma mais completa, a
vossa pulsante fome. A seu tempo, se guardarem tais sementes, tornar-se-ão cultivadores.
E, por vossa vez, estarão a ofertar a terceiros os frutos que com o devido amor
fizeram medrar. No entanto, é importante compreender que, fluindo com a Vida,
entendendo os seus pressupostos maiores, germinará em nosso âmago uma sólida
âncora: a Fé – esteja ela assente naquilo que estiver. Assim, fortifica-se a
certeza – origem de uma serena tranquilidade – de que nos encontramos, presentemente,
no exacto local onde deveremos estar, desempenhando a função ou tarefa que nos
cabe, por ora, desempenhar. Se mergulharmos bem fundo em nossa consciência,
adquiriremos tal sensibilidade, tão popularmente traduzida por “seguir a voz do
coração”.
Poderemos, é certo, receber inúmeras frustrações se perseverarmos
em nossos supostos desejos, objectivos ou ambições. Especialmente se moroso for
o seu processo de materialização ou, por outro lado, constante a derrota na
batalha pela sua concretização – mas tudo constitui motivo de aprendizagem e
crescimento. No entanto, se sentirmos esse fogo em nós, como algo que vero arde
e implora por se realizar, pelo bem próprio e de terceiros, não serão os árduos
e insistentes obstáculos que nos farão encerrar tal demanda, tampouco abdicar
de todo o bem que poderia vir a ser alcançado. Acima de tudo, fluir… Pois
existem inúmeras variantes que efectivamente não controlamos. E a dor advirá de
um apego exacerbado a certos elementos e circunstâncias, bem como das
expectativas que poderão vir a ser formuladas. Por isso, é importante saber
dosear cada impulso, cada actuação. Mais cedo ou mais tarde, continuando a
pisar tal dúbio terreno, surgirão as ilusões que, inevitavelmente, se quebrarão
com o devido estrondo e dolorosas consequências. Com a devida maturidade, granjeada
ao longo de várias etapas vencidas, saberemos entender que todo o fruto que por
nossa mão deverá ser colhido, sê-lo-á no devido tempo. Ganharemos essa certeza
crendo na «Força que tudo rege», aquela que tão levemente intuímos e sentimos
em cada passada. Além disso, um novo dia trará sempre até às nossas margens a
sua eterna promessa, tão sólida quanto as bênçãos que nos serão reservadas.
De facto, num turbilhão de pensamentos e vontades difusas,
tornamo-nos exigentes, obstinados requerentes que anseiam por algo que venha
até eles, oriundo de esferas superiores. E olvidamos, assim, os milagres que se
desenrolam, a cada instante, em torno de nós. Por mirarmos as estrelas em
demasia, esquecemo-nos da beleza dos montes e das planícies… Existe um tempo de
plantação e de colheita, e é importante entender e aceitar tal premissa. Se
sentirmos necessidade, olharemos bem no fundo de nós próprios, avaliando cada
situação com o devido cuidado, requeira ela de nós gestos activos ou passivos.
Não é somente por nossa intervenção que um fruto amadurece; contudo, poderemos
prover as condições para que tal se suceda. Mas, seja através da intervenção
directa, indirecta ou nenhuma até, o crucial aspecto que sobressai, adquirindo
sóbrio relevo, é o compreender do tempo de cada coisa. Por outras palavras,
definidas na simplicidade: se a hora for a certa, que seja; caso contrário,
aguardaremos, pacientemente, a sua chegada (pois nenhum Inverno é eterno).
Na verdade, todos estes aspectos e ponderações se apresentam
como uma óptima plataforma de desenvolvimento do que hoje nós somos,
auxiliando-nos a imergir na nossa mais recôndita verdade. Assim, conhecemos e
estudamos a fibra que nos compõe. São as diversas situações que nos interpelam
o rumo que revelam aquilo que somos, através das atitudes e comportamentos que
em nós despertam, ainda que inconscientemente. Um Homem sábio saberá, contudo,
prever, dentro de suas limitações, preparando-se assim para o provir. No fundo,
fá-lo por possuir o olhar erguido, ao contrário dos restantes que, tão ocupados
nos detalhes do solo que pisam, olvidam o horizonte. Seja como for, tais
ocorrências apenas fortificam as nossas crenças, abanam fundições (o melhor
método para repensar certezas e definições) e fazem emergir a nossa realidade.
E não existem aqui meras “vítimas das consequências”; as coisas são o que são –
se nos surpreendemos, então é porque apenas detínhamos uma ideia ou
consideração errada sobre tal.
Há que aceitar, por mais que o neguemos, a verdade que se nos
anuncia, pois só assim é que de novo fluiremos, permitindo o crescimento do
nosso ser em constante evolução, tal como da sociedade que nos integra – ou não
fosse ela própria, como coisa geral que é, reflexo do particular. Em suma, eis
a definitiva conclusão: são meios de proporção e de consolidação da nossa
particular evolução. Assim, compreendemos a utilidade dos espinhos que abrandam
o nosso ritmo e flagelam o nosso ser. Aceitá-los, é escutar aquilo que têm a
nos transmitir; seguir tais directrizes, é abraçar a nossa própria evolução.
Seremos elevamos se nisso persistirmos, com a tenacidade de um felino e a
brandura de uma pomba. Então, livres por fim, testemunharemos o término de
todos os ciclos no anunciar da tão esperada e sempre ínclita eternidade.
Pedro Belo Clara.