quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O Sonhador

Certa manhã, o Caminho prendou-me com um encontro deveras peculiar: um simples homem, companheiro fiel das viagens pelos pensamentos, detinha-se junto da estrada, introspectivo, fixando uma pedra como se desejasse movê-la apenas com o olhar. Passei junto dele, curioso, e logo despertou o fantástico mecanismo despoletador de diálogos. Assim, troquei algumas palavras com aquele irmão, mais um intrigante pedaço de Luz que se ocupava de suspiros e breves lamentos, e demorei-me, como quem degusta uma finíssima iguaria, nas palavras e nas frases compostas pela douta melodia que ele entoava. Falava de loucuras, de decisões cruciais, de persistentes indagações que repudiava e, ao mesmo tempo, amava por sabê-las impulsionadoras de novas situações evolutivas. E versava e filosofa sobre aspectos que desconhecia e outros que apenas havia escutado em ecos de histórias distantes, enquanto que meu Ser se ia reflectindo de uma forma cada vez mais nítida no definir e no afirmar daquele companheiro. Sucediam-se os instantes e assim ficámos, em monólogo presencial, assistindo ao crescimento de algo único, de uma partilha silenciosa de algum conceito grandioso. Mas, de súbito, perante meu semblante já confuso (confesso) mas não menos maravilhado, sua tristeza se metamorfoseou em espontâneo júbilo e convicção certa e inexpugnável. Que acontecimento deveras fantástico esse, a alquimia dos sentires no auge de seus efeitos! Sorriu e saudou-me como caminhantes que éramos, seguindo depois o seu trilho, rumo a um horizonte íntimo e inalcançável.

Conheci esse homem, ou partes dele, naqueles momentos de convívio, e deparei-me com a sua peculiar loucura naquele preciso instante. Se algo há que se lhe possa atribuir, então esse algo é a espontaneidade. Livre e desprendido como uma criança, como uma tábua de inscrições que nunca foi utilizada, ele, que se dizia sonhador, trazia em si vestígios de um passado de dor e de frustração, mas estava apto (ou melhor, decidido) a enfrentar os novos dias com as cores de seus belos sonhos. E era essa a sua loucura: perante a desilusão de quem planta no quintal dos sonhos moribundos, sorria e formulava um novo sonho, mais forte e mais brilhante que nunca. Por cada sonho que tombar, um outro se deverá erguer à luz do dia mais excelso! Era essa a sua loucura, sim, talvez sabedoria ou singular forma de caminhar pelas florestas de sua existência, mas, naquela despedida, observei nele, como numa aura, o refulgir de novas cores, rodeando e abençoado o seu porvir.


Pedro Belo Clara.



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