terça-feira, 13 de setembro de 2011

A Gata e a Porta

Indagando sobre os exemplos que as demais ocorrências do Caminho nos concedem, por meio de seus múltiplos intervenientes, é possível concluir que a sua revelação ocorre quando dela mais necessitamos. É como se existisse uma espécie de conversa entre o caminhante e o Caminho, com este a oferecer as respostas ou os indícios da solução de nosso problema ou questão. Com o discernimento adequado, isto é, com a mente disponível para tal hipótese, tornamo-nos capazes de os entender. A sua fala é silenciosa e longo poderá ser o caminho de sua aprendizagem, até nos revelarmos aptos a lê-la ou a escutá-la. Mas, no fundo, tudo o que necessitamos encontra-se em nosso redor e ao nosso acessível alcance; por vezes, basta empreender o esforço de quem alonga um braço para que o meio almejado possa ser encontrado e, posteriormente, utilizado.

Um dos sentimentos mais recorrentes em quem atravessa as alamedas de dúvidas e questões, é a carência ou o fraquejar de uma crença – em suma, um titubear de Fé (seja qual for o chão em que tal alicerce se apoia). Segue-se o relato de um desses “exemplos” (ou lições) que o Caminho nos oferta, do caminhante que eu sou, para si, leitor, meu companheiro nesta longa viagem de vida.

Num desses dias banais de vivência e repouso, a minha gata (companheira de tantos anos) fez-me evocar uma das mais belas artes deste caminho que é a Vida. Estando ela junto a mim, tranquila, entregue ao sossego de seu descanso, decidiu que os seus súbitos afazeres se detinham numa outra divisão do lar que nos abriga (nem perguntem pelos seus motivos, pois eles, em tantas ocasiões, permanecem ocultos até da consciência de quem os empreende). Contudo, a porta que oferecia entrada a essa divisão encontrava-se fechada, estado a minha simpática amiga impossibilitada de lá entrar. No entanto, terá sido esse o obstáculo que a demoveu de seu propósito? Não. Com a típica tenacidade felina em ebulição, quedou-se junto da entrada e, quieta, aguardou a sua abertura. Dirão alguns que é comportamento irracional, pelo menos absurdo; direi eu que é um extraordinário sinal de Fé. Conhecendo tão bem a matéria que compõe esse bichinho tigrado, devo – por bem – explicar: no seu âmago, sendo incapaz de abrir tal porta, ela sabia que, mais cedo ou mais tarde, alguém a abriria por ela. Não se trata de comodismo, mas sim de “hábito de acreditar”. Em inúmeras ocasiões anteriores, eu já havia feito o mesmo; por isso, ela já sabia que em breve surgiria uma mão salvadora, pronta a cumprir a sua tarefa. Aprendeu a confiar e a acreditar em mim mesmo e, como tal, a minha intervenção nestes acontecimentos era sempre dada por garantida.

No fundo, como um viajante que conhece e confia nas artes e ocorrências do Caminho, a minha companheira listada acreditou, manteve-se fiel ao seu propósito (acreditem que pouca coisa a demoveria de lá) e aguardou a realização do seu desejo momentâneo. Quando entendemos, interiormente, que nada mais é humanamente possível de concretizar, entregamos nossos planos ao fluxo da vida e aguardamos a sua desenvoltura (como disse em entradas anteriores: em certos dias, regamos a nossa plantação; noutros, a chuva encarrega-se disso mesmo). E a porta? Terá sido, afinal, aberta por minha mão? Bem, perante tamanha crença e perseverança, jamais poderia ignorar tal exigência…

É curioso como os demais seres que partilham as suas existências connosco conseguem, no auge da sua sabedoria mais instintiva, mais subjectiva, oferecer-nos provas de válidos e de não menos notáveis comportamentos perante cada obstáculo, cada situação forjada pela desenvoltura da Vida. Nesses momentos em concreto, considero até que a sua simplicidade é bem mais profunda que o nosso saber de quotidiano humano, superficial.


Pedro Belo Clara.



2 comentários:

  1. Temos muito a aprender com os animais. Observando-os, com atenção, só temos a ganhar.
    Na simplicidade está a sabedoria.
    Gostei muito do texto.
    Bjs.

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  2. Fico satisfeito por sabê-lo, Ianê.. Agradeço a sua visita aqui, a este meu espaço (apesar de ser mais constante na Poesia, aqui encontro sempre lugar para um outro tipo de criação e de partilha).

    Beijos, volte sempre que desejar.

    Pedro BC.

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