Aprecio a literatura breve. Não necessariamente concreta, não
propriamente concisa. Breve. Como alguma poesia tão bem o sabe ser. Como um
conto que se reveste pelo adequado manto mágico de enigmas em metáfora. Será decerto
essa uma das razões, não apenas a única, que sustentam uma íntima resistência
aos romances. Não a todos, louvor seja feito. Alguns. Aqueles que não conhecem
o brilho das coisas limpas, a sobriedade das páginas enxutas. Aqueles que não se
importam em transmitir os sussurros do coração com que foram impregnados, somente
encher a paciência do pobre leitor com linhas e travessões de um lixo verbal que
(curioso, até rima!) resume-se numa seca caracterização: prolixo.
Há nisto tudo,
e é bom que se sublinhe, um respeito por todos os caminhos tomados. Aquele que
faço sobressair, apenas se destaca por coincidir com a natureza que cresce em
meu peito. O amor à brevidade, por isso, nada deve a indolentes paixões; antes
a uma pessoal aproximação, praticamente cumplicidade, ao silêncio.
Longas frases,
longas páginas, longos enredos, como o pensamento, são ruído. Uma espécie de
sombra assombrando a pureza tão branca de uma caminhada matinal. São abalo.
Tremor. O que abalam? O que fazem tremer? A quietude.
Na ausência de
quietude, advém o cansaço. Porque a fadiga só irrompe quando um esforço é
empreendido. E o esforço pesa-se, em medida de equivalência, pela redução da
espontaneidade. Sem ela, volta o Homem a vestir a capa do autómato que julga
ser, do escravo que tarda em compreender que não é.
Ser espontâneo é ser livre. A verdadeira
liberdade surge do silêncio, a mais profunda dimensão do espírito humano, sobre
a qual tão pouco sabemos. Gastamos as nossas frágeis e efémeras vidas em jogos
de azar, perdidos em galerias de reflexos e ilusões. E nem por um momento
demoramos a nossa atenção naquilo que pulsa, distante, em nós.
Sei que, se
desejar manter a coerência, este texto deverá ser assumido numa urgência de
brevidade. Mas de um silêncio profundo, cada vez menos estrangeiro do que um
dia o fora, emerge neste instante um poema de Pina. Há que o partilhar.
Trata-se de um poema de avisadas
palavras, talvez de suspiro, talvez de desabafo. Certamente uma advertência para
os comportamentos que tomamos:
Lemos de mais e escrevemos de mais,
e afastámo-nos de mais – pois o preço era
muito alto para o que podíamos pagar
Difícil não
sentir a inutilidade de todo o acto. Ele, de facto, pouco importa. Um gesto é
somente um gesto. O que conta é a consciência que o sustenta, que o faz nascer,
que o faz morrer mesmo antes de ter hipótese de ganhar vida.
Leituras
passadas… Há que respirar, antes que o chorrilho da memória se solte. O que
Pina despertou! Leituras passadas. E pesadas, tantas vezes. Em dia de chuva,
que não este, afiguram-se companhias tão aprazíveis… Mas hoje, quem almeja
competir com a mudez da hora? Nenhum adversário se apresenta digno. Com os
devidos respeitos, uma vez mais. Joyce enfada. A melancolia obscura de Al Berto
deprime (não a havia curado numa daquelas viagens?). Saramago atrapalha ritmos
de leitura. Ruy Belo, de desilusão tão gémea à de Eliot, ainda desaba sobre o
quarto um eterno outono. Até Hesse, tão amado, acena-me com uns contos que são
assim uma espécie de mar que alaga a memória e a paciência.
Talvez a chuva ainda cesse esta tarde
e todos os poemas façam sentido, quem o sabe? A falta é minha, confesso. Se bem
que me questiono: de que serve a busca se tudo o que veramente importa já foi
encontrado? Para quê cobrir uma luz com outra luz, sabendo que esta jamais será
tão brilhante quanto a primeira? Ah, o Homem e suas demandas…
Terminarei. O
Pina disse tudo. Depois, há uma promessa a cumprir. Peço a vossa indulgência,
estimados, se o voto de brevidade, para o caso, não foi propriamente cumprido.
Por vezes o fogo desperta, o entusiasmo consome. Pronto, lá está ele uma vez
mais… Erro meu, que ainda o alimento. Incauto!
Não sei se isto é modo de terminar…
Adequado, quando muito. Acontece que um estorninho acaba de poisar num vértice
do telhado do prédio em frente àquele que me abriga. Afina a sua garganta.
Prepara o seu concerto. E convida-me a escutá-lo. Mil perdões, senhores. Não
poderei recusar.
PBC.
(fonte: