O Caminho não é uma via única, exclusiva. O Caminho, a poder ser
falado, escrito e entendido, é uma coisa só, na mais total das abrangências. O
Caminho nasceu no Infinito e nele terá o seu término. É Tudo. E Nada é. Parece
circular; mas é uma longa linha recta sob a qual incidem os acontecimentos,
vivências e suas etapas, assim como os ciclos que tudo regem nos prados
materiais. Apenas uma percepção limitada, ainda não desperta, considera tempos
e secções naquilo que é eterno. Mesmo que o cenário se altere, por efémera ser
a matéria, a essência mantêm-se. Renova-se o que é fugaz, preservando assim a
sua eternidade. O que é perene, é imutável.
O Caminho é um todo indivisível. E cada intrépido viajante que o
decidir caminhar, uma e outra vez, sendo ele caminhante de justo epíteto,
deverá descobrir por si a língua em que ele murmura, o alfabeto em que ele se
faz expressar. E todas as línguas por ele são faladas, todos os caracteres por
ele são compreendidos. A sua real ideia está muito para além de tudo o que
sobre ele se poderá idealizar. Se se pensa sobre ele, não se pensa sobre o
verdadeiro Caminho. Ele é o impensável, o que não se pode idealizar. Porém,
quando se sente a sua magia, quando se escuta o silêncio que profere, todo o
caminhante sabe aquilo que ele é. Não são os olhos do rosto que o verão, antes
os da Alma. E tudo o que aqui está escrito, da mesma forma se destina à Alma. É
para ser lido, sentido e absorvido pela luminosa percepção que a reveste. A
Palavra, tal como o Caminho, fala ao Divino que habita em cada Homem.
Do centro da figura humana, no instante em que esboça um passo,
uma panóplia de caminhos e direcções se criam, se abrem e se completam aos pés
de cada um. Linhas infinitas que partem da mesma infinidade, paralelas entre elas,
embora sejam subdivisões da sua principal matriz. Para cada uma, um destino. E
um rumo que, findado esse, de pronto se fará anunciar. Mas tal fenómeno é
apenas a arte da roda que eterna gira. Afinal, na matéria reina o efémero e o
dual, com a concordância e o equilíbrio das estações. Como tal, a ideia que
mais sobressai, a impressão logo captada pela percepção mais desperta e, como
tal, atenta, é a da sucessão. Por vezes, é o caminho da cegueira que ao
viajante concede a visão. Assim como o da sombra lhe trará o da luz, o da
dúvida lhe fornecerá o da fé, o da manipulação lhe dará o do amor… São gémeos,
em suma, com particularidades que os distinguem. Será necessário, por vezes,
atravessar todo um inóspito deserto para desfrutar do mais paradisíaco dos oásis,
aquele que se queda na clareira de um âmago íntimo e profundo. Ou simplesmente
crer na ideia que detém como certa e verdadeira para si próprio e permitir-se
esperar… Até alcançar a sua conquista. Até o mais inverosímil dos caminhos
desemboca no mesmo local de todos os outros. Apesar disso, os rumos não deixam
de estar adornados de hipóteses e de escolhas. Tudo está escrito em ténues
palavras… Cabe ao viajante, por suas opções e actos, reforçá-las. Então, estará
a fluir pelo rumo que cria. Seja ele qual for.
Mas nem só de rumos se compõem as existências… Não fossem elas
as condições mais intrincadamente simplificadas. Os sentires, as percepções, as
quebras, as dívidas, os encontros, são outros aspectos de toda uma diversidade que
cabe na vida terrena. Que, acumulada por outras tantas viagens, reúne matéria
digna de contemplação. Mas a experiência forma-se de tais coisas, tece-se em
linhas de mil cores. Não só auxiliarão o viajante a recordar, como também a lhe
fornecer as condições que mais necessita para cumprir a sua meta, o seu mais
divino propósito. Por isso, resistir significa quebrar e perder sentidos…
Enquanto a brandura, flexível, permite fluidez. É essa a grande lição do
humilde junco, em contraste com o orgulho do frondoso carvalho. Embora, para
tal, seja importante, em primeiro lugar, entender, e, só então, construir o
estrado que suportará a crença que munirá o viajante. Essa valência, como será claro
de se notar, necessita de longas raízes para ser forte e profunda.
É comum a indagação ao longo do trilho percorrido. Tal aspecto é
intrínseco à condição humana, esteja ele mais ou menos vincado no coração de
cada caminhante. Compreende-se, no fundo, como uma parte do processo de
experiência o entendimento do próprio ser e daquilo que o rodeia. Principalmente,
por o esquecimento o ter assolado, como uma nuvem que cobre e filtra a luz do
sol. Contudo, o espírito esclarecido é um sopro, o mesmo que afastará a nuvem e
permitirá, de novo, o completo raiar desse excelso sol. Cura o negrume do
olvido, fomentador de múltiplos temores, a água que jorra da fonte da memória.
Por vezes, a jornada pessoal revela-se paralela à demanda por tais águas. Até
porque esses aspectos compõem um trilho evolutivo e, assim, ascensional – a
suprema intenção, inicialmente oculta, de todo aquele que caminha por sobre
esta terra.
É claro que a experiência, ao ser diversa, por consequência da multiplicidade
deste mundo de matéria, comporta em si uma miríade de elementos. Aí se
confundirão as percepções. Não se traduz num erro, pois cada visão justifica o
seu parecer; mas certas nuvens, uma vez mais, poderão embaciar o sol que sempre
brilha. Mais do que o sofrimento, a felicidade, a justiça ou o amor, a natureza
humana denuncia-se aqui, na simples experiência. Os restantes, são os seus
objectos ou alvos, sendo ela, assim, superior, no sentido de global, a todos
eles. Não se entenderá o sofrimento como uma opção, ainda que a dor esteja
naturalmente ligada à dualidade da vida efémera? Ou como uma ponte para algo mais
de superior e de divino, se se excluir a baixeza vibracional da simples
vitimização, lamentavelmente comum de ocorrer. Pois, se um sorriso se une à
dor, o sofrimento desde logo se esvai, ainda que esta, qual incómodo espinho,
continue a latejar (bem se sabe de sua necessidade, ao ser por sua força que se
racha a dura casca que envolve a adormecida consciência). E a felicidade? Entre
doutas filosofias e notáveis discorreres, terá já aquela mente mais insaciável,
que mais se dedica e se sacrifica a essa busca, questionado e,
consequentemente, entendido que a verdadeira felicidade, aquela que aqui se
pode experiênciar, ainda que seja um estado efémero e, assim, sujeito a
alterações de forma e conteúdo, apenas significa estar-se em paz consigo
próprio? E a justiça não será apenas um escudo do ego, ou seja, da
personalidade que de rojo arrasta (ignore-se o possível pleonasmo) a personagem
ao sabor de seus caprichos, servindo de motivo a vis intentos, dos quais certos
castigos e vinganças são lamentáveis exemplos? Essa fúria é filha de outras
tormentas, apaziguadas pelas diversas formas do amor. Embora só a sua mais
suprema face se poderá unir à plenitude, o vento que baila pelas etéreas
dimensões. Aquela que aqui se reflecte, mesmo sem saber como há o viajante de
lidar com seus pressupostos, é sublime, sim, mas de frágil equilíbrio… É flor
que exige rega constante. Na sua máxima expressão, as condições extinguem-se.
Assim, é motivo que pode (e deve) enlaçar os Homens, sem espaço para apegos,
supressões, tiranias ou subserviências. A justificação de uma existência? Por
certo que sim, se esse for o seu íntimo trilho.
O motivo, assim, é de ascensão. Mas cada degrau é alcançado pelo
esforço do espírito, cada vez mais solto e liberto. A cada passada, uma vida,
uma personagem e demais envolvências. Em suma, uma experiência. Que,
obviamente, pode (e, certamente, irá) comportar o saborear de diversos
elementos: amor, felicidade, justiça, pobreza, dor, riqueza, poder, opressão,
transcendência num derradeiro grito emudecido… Mas que são tais coisas senão
elementos de uma singular experiência? Eis a natureza global, ou, se vista por
um outro ângulo, primordial, da humana condição que reveste e serve o
caminhante. É um campo aberto ao cultivo. O que aí medrar, serão sementes
lavradas pela mão de cada viajante, em nome de sua intenção e propósito. Mas
por que bebe da fonte mais distante, aquele que tem água por perto? Apenas se
sentir o apelo do trilho que o guiará até esse destino… Pois se tudo é
experiência, tudo igualmente é aprendizagem. E esse é o seu pressuposto mais
básico.
O que sobeja, então, como resíduo final, como resultado da soma
de todas as parcelas? Sabedoria incrementada e à Alma dividida anexada,
recordação e evolução. Assim, a Alma, esclarecida, compreenderá que ela mesma fora
um raio desse sol que, magnânime, sempre brilhou. E com um sorriso recordará o
quase que infindos dias em que o contemplou, entre nuvens, sem saber que, de
tão simples forma, contemplava a resposta a todas as suas perguntas, admirava
cada recorte do destino que a aguardava e suspirava, néscia, diante da luz que
foi o seu princípio e será o seu fim. Até à eternidade.
Pedro Belo Clara.